Subterrânea, 10 de julho de 2013

[Diego ] …e essa aqui eu quero trocar por essa que eu cortando.

[Túlio ] Cara, por que tu cortando com uma tesoura? Por que tu não corta com um estilete?

[Diego] Porque quero que isso entre também, isso de cortar o trabalho. Tem a ver com as bordas.

[Isabel] Mas isso está entrando agora ou nos outros que estão em Pelotas tu já fez com este corte?

[Diego] Não, estou começando essa ideia de corte. É diferente de tu passar na guilhotina. Fica um pouco de uma tortura da mão. Tortura da mão! (risos)

[Isabel] E por que tu vai trocar o desenho?

[Diego] Porque tem essa ideia de pintar a imagem, e lá não tinha o lápis dermatográfico, que eu queria usar.

[Isabel] Ah, aquele de Pelotas tu pintou no meio né?

[Diego] Sim, tem o vídeo também!

[Diego] Eu queria ter pendurado ela mais torta. Fiquei pensando nisso, depois.

[Túlio] Por que, cara?

[Diego] Acho que ia ficar mais legal.

[Túlio] Por quê?

[Diego] Porque sim. Não precisam ser tão…

[Túlio] É engraçado porque tu te contradiz, cara! “Ah, podia ter ficado mais torto”, mas aí vai ali e mete a mão pra tinta escorrer certinha. (risos)

[Diego] Mas eu acho que é um pouco isso! Tem uma coisa meio obsessiva, de ter controle.

[…]

Essas fotos são antigas ou tu fizeste agora?

Não, são de tempos atrás, a maioria. Mas são recentes, a de 2010 deve ser a mais antiga. Os títulos delas são sempre “Foto criada…”, é da câmera embutida do meu computador mesmo. Tem uma ideia de cabine.

E este aqui?

 

Este é outro trabalho. Ele chama Solo, mas também não sei se é só isso. A gente acabou fazendo esse cartaz – ele é uma colaboração com o Juliano Ventura. A gente tem uma história de caminhar na orla do Guaíba. Agora faz um tempo, mas tinha uma época que a gente caminhava bastante por ali. Daí fizemos essa ação e ele fotografou.

E tu gostaste de como ficou a exposição lá, mesmo com esses ajustes?

Gostei. Estes aqui são só detalhes. É bom, que nem o Túlio falou, que eu me contradigo; às vezes eu quero que seja uma montagem assim, tipo isso, toca na parede. E, ao mesmo tempo, tenho um cuidado porque não é qualquer coisa. Tem essa questão de controle, do trabalho. Não sei se tu chegaste a ver o livro também. Tem essa ideia de um contorno.

Como assim?

O desenho tem um contorno. As ilustrações são apenas lineares. E o desenho do VISCERA são contornos também.

 


Parece um mapa.

Sim. Na verdade, as bordas não existem. São apenas convenções. Não tem como representar o mar tocando a terra. Isso vai aumentando, diminuindo.

E os outros desenhos do livro?

São de um dicionário de inglês da minha tia, que estava na minha casa. Eu adorava essas ilustrações. Um dia, eu levei a um Xerox para copiar as páginas em que tinham desenhos. Só que é um dicionário de mil páginas e o cara se negou a fazer [risos]. E eu acabei fazendo enquanto minha impressora tinha tinta. Tinha esse trabalho de cortar, pegar, xerocar, cortar, guardar, classificar.

Um dicionário a partir do dicionário?

É, elas estão em ordem alfabética, mas não tem palavra nenhuma. Só em uma das ilustrações que tem a palavra “secret”. Tinha algum desenho de cabeça para baixo no que tu pegaste?

Não lembro. Por quê?

Aconteceu uma coisa engraçada. Bom, me interessava essa ideia da mão e as ilustrações em que aparecia a mão. O livro chama “manual”, mas como não tem nada escrito, aparentemente não tem um sentido de instrução. São verbos organizados alfabeticamente. Então separei todas as imagens em que tinham mãos, organizei um diagrama com a página e com a ilustração e fiz um livrinho de 10 folhas, 20 imagens e um grampo só. Era uma ideia de fazer algo bem simples e manual também: eu mesmo xeroquei as imagens, cortei, peguei as folhas, dobrei e colei.

Tem um pouco a ver com essa questão então de cortar essa imagem que vai para a exposição, ao invés de usar a guilhotina.

Sim. Então, quando eu te perguntei se tinha algum de cabeça para baixo, é porque quando eu voltei no lugar onde eu mandei fazer os livrinhos – foi engraçado porque eles fizeram tudo no mesmo dia, bem standard e instantâneo, folha A4, bem simples.

Sem a pompa de um livro.

Sim, e também não tem nada escrito. A ideia é que seja bem viral, de que passe de mão em mão.

Então tu voltou no lugar onde os caras fizeram tudo em um dia…

É, então alguns livros o cara fez com dois grampos, e eu tinha pedido um grampo. Ele falou “ah, é que eu estou acostumado, porque ninguém faz com um grampo”. Então tem isso de um trabalho bem “maquínico”, automático. E alguns ficaram de cabeça para baixo. Mas isso é engraçado, porque esse erro compôs o trabalho também. O backlight do Manual Prático tem a ver com isso.

Mas tu vês isso como um erro?

Não, acho que faz parte. Tem um pouco disso no trabalho. Eu falei em erro, mas às vezes ele acaba sendo incorporado. Como isso de algumas páginas do livro ficarem de cabeça para baixo.

O teu trabalho VISCERA também tinha esse viés de distribuição. Tu sempre fazes isso ou são especificidades destes trabalhos?

É, isso tem aparecido agora porque a distribuição é algo legal de ser pensado, este formato não necessariamente de uma exposição, de algo que vai ficar na parede e que a pessoa tem que se deslocar. É um pouco deste dilema de “vou, não vou” – mando pelo correio, ou vou lá com as minhas próprias mãos e troco o trabalho?

Tu vês isso como certa subversão da lógica expositiva?

Não sei se é subverter, mas são outras maneiras de trabalhar. Na exposição em Pelotas, acho que aparecem diversas maneiras de mostrar.

 

E como tu fizeste a seleção destes trabalhos que foram pra Pelotas?

A ideia antes era de fazer algo relacionado com o canteiro. Mas daí eu vi que não teria tempo, logística e tal. Quando eu vi que não tinha tempo suficiente, eu já tinha também impresso o backlight que está na exposição, Manual Prático, que é o título também da instalação. Daí eu queria mostrar o backlight e mandei fazer uma caixinha, que eu ainda não havia feito. É de uma ideia de escanear alguns objetos. Tem uma imagem que é de um azulejo escaneado, que eu até mostrei na Gestual.

E este é um outro livrinho que eu fiz.

 

 

Isso foi feito só com coisas que tu foste pegando?

Sim, eu junto cartazes. Eu tenho pouquíssimas cópias deste porque no dia em que eu peguei um dos cartazes, eu logo devolvi. Fico pensando um pouco nesta ideia de mãos hábeis, ladrão, mão-leve. Mas, ao mesmo tempo, é um roubo que acaba dando um erro no sistema, porque tu roubas algo que as pessoas não esperam, “sem valor”. Às vezes, eu tiro cópia e devolvo. Tem um filme do Bresson que é o Pickpocket, que tem essa questão das mãos.

Bom, mas, em Pelotas, eu queria expor o Manual Prático e a partir dele fazer uma diagramação no espaço. É organizado, mas ela foi se dando meio na hora. Não teria como fazer por uma planta. Eu precisava estar lá para ver. Tanto que tem a ação com o spray. Mas o trabalho é simples, outra pessoa poderia montar. Enfim, talvez fosse algo a se pensar mais para frente. Bom, mas daí eu queria expor o cartaz Solo, porque eu achava que eles tinham a ver. Era bem a ideia de uma subversão, porque aquele escâner é a capa de um livro de veterinária de ponta-cabeça

Esse aqui tem um triângulo de grafite, se chama chama Hipotenusa este trabalho.

 

E isso é terra?

Sim, da minha casa. Eu montei na Subterrânea este trabalho para tirar as fotos. O trabalho vai acontecendo e eu vou descobrindo a montagem dele. Na época, eu apenas o usava como foto, apesar de ter a ação. E agora eu consegui sair da planaridade da foto. Em Pelotas, na conversa, eu falei sobre essa ideia de um prumo, de que a foto tem que ficar “assim”. Isso surgiu com esse trabalho. A primeira vez que eu mostrei ele foi durante a minha graduação, só que ele estava na parede. E foi acontecendo. Para ver também como as coisas vão mudando, e o próprio espaço expositivo é um espaço de aprendizado para o artista também. Por isso, eu achei que seria pretensioso, demais, se eu colocasse título em cada imagem, então chamei tudo de Manual Prático. Tem a ver com isso, uma circulação dentro do trabalho mesmo, uma economia, ecologia, que tem a ver com a própria casa, com o corpo, com a pele da imagem, e a superfície, a profundidade do estar aqui.

Esse é um trabalho que eu fiz com a Marília Bianchini. É a ideia da mão, de novo. São 8 fotos. É o dorso da minha mão com a palma da mão dela, e são quatro pregos e oito fotos. Fotos instantâneas que eu tirei da mão dela e ela tirou da minha.

Foi uma exposição que a gente fez na ESPM, em que eu ocupei o espaço e ela ocupou as paredes. A gente fez esse trabalho em colaboração. Eu até tinha pensado em levar ele, mas achei que não cabia muito.

Eu gosto de guardar estas imagens porque vejo essa evolução. Quando eu postei essa foto aqui, por exemplo, eu não sabia que ia fazer uma montagem com ela. Era só algo que eu tinha feito. Antes eu tirava muitas fotos, agora já penso mais antes de tirar. Tem esse jogo de controle, mas tu tens que deixar uma brecha para ter esse erro, que não é um bem erro.

Nessa aqui daí eu cortei a quina do cotovelo e escaneei

Só que eu nunca tinha conseguido montar esse trabalho. E nisso de voltar para as minhas coisas e ver o que eu ia levar eu encontrei essa imagem que eu tinha guardado. Foi algo muito da hora, de como as coisas ficam. Eu desenhei na minha mão, tirei a foto, imprimi na impressora do computador, cortei, escaneei e essa era a imagem. Eu não sabia como montar e lembro que eu peguei a foto de verdade, porque eu gostei, no fim, dessa parte gráfica. Era um pouco essa ideia do corte, que era um corte só. Eu posso repetir esse gesto, mas vai ser outro corte, assim como o pintar. Tem a questão também de algo imprevisível, como o vidro de “Hipotenusa” que quebrou – isso aconteceu depois. Às vezes, a gente reclama num primeiro momento, por causa dessa questão de não conseguir lidar, e tu tens que achar outro jeito, outra maneira, ou tu tens que te apropriar daquilo e aceitar.

É algo que foge ao teu controle.

Sim, fugiu ao meu controle e no fim acabou agregando. Essa ideia de quebrar, rasgar superfícies. De virar o espelho. Meio isso.