Tigo Weiler é artista e cursa Artes Visuais na UFPEL. Entre julho e setembro, o artista integra a exposição Três Estações, na Subterrânea, com o vídeo “Orientações Desordenadas” e com os objetos da performance “Ferrete: dentre as marcas que nos deixam, são poucos que realmente 
as percebem”, realizada na abertura da exposição. Na ação, o artista continuou o processo de tatuagem no peito, iniciado na exposição Paralelo 31, em Pelotas. Na entrevista, Tigo fala sobre aspectos da arte contemporânea que permitem o uso do corpo como suporte do desenho, além de comentar sobre relações e intersecções entre tatuagem, arte e performance.

 

Como começou a história da tatuagem no teu trabalho?

Eu sempre gostei muito de tatuagens, de alargadores. É uma história que vem desde a minha infância. Eu gostava muito de índios, pesquisava sobre isso, era uma curiosidade. As pessoas me perguntam quando eu vou tirar o alargador, e eu acho que nunca, porque quando eu vi que havia algo semelhante que a gente poderia fazer aos povos indígenas, foi muito legal. Assim como a tatuagem. Eu crio uma história, faço essa história aqui, então eu pensei em colocar na performance essa parte minha, essa relação com outro tipo de arte, essa minha criação. Porque eu crio, é uma história. Essa performance entrou junto com as máscaras. Uma ligou com a outra. Nas minhas performances, nas fotografias, ou nos trabalhos em vídeo, sempre estou com uma máscara. Elas provêm, em sua maioria, da minha primeira produção, em que eu trabalho com crânio de boi. Este projeto da tatuagem eu comecei a criar há uns dois anos – isso e criar histórias relacionadas a sessões de tatuagens.

Fotografia: Rogério Franck

 

Tenho uma outra performance, mas ela não é um espetáculo, não tem pessoas olhando. Essa, eu achei que tinha que ter mesmo, e se encaixou muito bem com a exposição que tem isso de trazer algo de fora. O próprio dela, “Ferrete”, significa marca, aquilo que marca boi, que marcava escravo, marcava prostitutas, e hoje tem um grupo de pessoas que se marca para estar naquele grupo. A tatuagem é um pouco isso, tem a ver com essa questão do boi, de marcação de propriedade. Mas, se o corpo é meu, então eu escolho o que fazer com ele; ele é minha propriedade.

Pois é, queria te perguntar sobre a questão do corpo enquanto suporte de comunicação.

É, e de desenho também, e de outras formas de arte. Já que a contemporaneidade nos possibilita trazer outras formas de apresentação de arte, ou outras pessoas fazendo arte, então eu trago os tatuadores. Eu chego até a pessoa com um convite. Cada sessão é uma parte da performance e cada sessão tem um artista diferente da tatuagem.

O protagonismo do tatuador se confunde com o teu papel enquanto artista performer?

Pois é, eu tenho muitos amigos tatuadores e eu procuro saber o que eles podem trazer para o trabalho, procuro saber da história deles. Gosto de saber o quanto eles gostam de tatuar e não chegar apenas com um desenho. Interessa-me a parte artística, o que levou eles fazer aquilo. Eu procuro entender o processo de criação deles também. Vou ao tatuador e explico sobre a performance, mas também sobre o desenho, de como eu quero, como ficaria melhor.

Foto: Anderson Astor

 

Que continuidade tu prevês para a performance?

Eu penso em acabar ela com um QR code. Penso em tentar um projeto no Catarse, ou me afiliar a um projeto que já tem na Europa, em que tu disponibilizas os trabalhos de arte na web para que as pessoa do mundo todo fiquem sabendo. Essa QR code pode ser acessada no meu corpo, e ela te manda para um site. Lá eu apresento todas as performances que eu já fiz – vídeos, fotografias, para que o trabalho fique globalizado. Ela é uma performance que começa pensando coisas mais antigas, como o ferrete, depois passa pra coisas mais contemporâneas, como a tatuagem, até chegar a um patamar maior que é a web. E tu botar uma QR code no corpo é uma coisa extremamente nova. Mas eu deixo o projeto acontecer. Eu tenho o desenho final esboçado na minha cabeça – ele fica no peito e termina na boca do estômago. Eu quero chamar de Digerindo Arte. Mas não sei quantas sessões até isso. Cada artista tem o seu tempo. Uns são mais ligeiros, outros não. Não é tipo “ah, semana que vem vou terminar a sessão “.

Por enquanto tu tens feito ela em exposições?

Sim. Diferente de uma outra performance que eu tenho, eu gosto de ter um público. Eu acho legal e interessante isso de tu teres o público de uma exposição, porque tu trazes essa coisa diferente, nonsense, para o espaço expositivo.

O uso da máscara começou com a pesquisa dos ossos?

Quando eu comecei a usar o meu corpo como plataforma para a minha arte, pensei em não usar somente o corpo nu e cru, mas vestir ali um personagem, estar imerso em uma história que eu vá criar. Durante teu dia, durante tua vida, tu vestes diversas máscaras. Tu nunca és a mesma pessoa para todos ou para as mesmas situações. Eu vejo a máscara como um suporte bem forte, além do corpo. Esta que eu uso na performance tem, em especial, essa ligação com o trabalho dos crânios eu faço. Aquela máscara é feita com elástico. Ela aperta bastante o meu rosto. Este é outro dado que eu carrego junto na performance: ela aperta meu rosto e dificulta o respirar. Faz um jogo com a dor que também tem na tatuagem; um dos lugares que mais dói para fazer tatuagem é no peito. Eu fico jogando entre estas sensações de desconforto.

É uma resistência, então.

Sim, é uma resistência.

Como tu bolas o desenho?

O desenho está em processo, mas eu penso mesmo no estereótipo dos desenhos da tatuagem, até pela relação com essa história que eu crio para este personagem. Então tem o osso, o crânio, o rosto, apertar os rostos, o coração, bem no peito. Então os desenhos são sempre elementos que têm ligação com aquela ação que está sendo feita.

Além do vídeo e da performance, tu trabalhas com quais suportes de ação? Porque, na exposição, vimos apenas uma pequena amostra do teu trabalho.

Eu tenho um outro trabalho de performance que o Ato Varrer, em uma ponte em desuso, antiga, que liga Pelotas a Rio Grande. Estou de terno, vestido a rigor, com a máscara de gás, e aquelas vassouras de varrer rua. Vou varrendo de um ponto a outro da ponte, fazendo o meu tempo. Aquele varrer quase que mecânico, robótico, para chegar ao final. Tenho outro trabalho que chamo de Ser Urbano, e a máscara ali provém do próprio crânio do boi – esta sim. Eu enrolo o crânio com aquele plástico filme, e depois, com fita adesiva, corto ela e retiro o crânio de dentro, e ela fica com aquele formato. Neste trabalho, eu chamo o personagem de Minotauro. Tem a ver com o minotauro da História. Procuro, então, lugares abandonados – não que o minotauro tenha este lugar abandonado como a gente vê, tudo caído; o espaço dele era de mármore, uma coisa bem construída e tal, mas penso neste minotauro de hoje, onde ele se esconde, onde ele afronta suas questões? Tenho trabalhos com videoarte, e com este mesmo personagem do minotauro eu tenho dois vídeos que são vídeo-retratos, como os do Bob Wilson, com poucas ações durante o vídeo. Tudo tem a ver com a performance de ficar parado, botar o limite do corpo.

Ser Urbano
Fotografia digital;
30x45cm (sem moldura).
2011

 

Parece ter um tom ficcional, também, desta questão dos personagens.

Sim, isso tem bastante!

Como é a reação das pessoas ao teu trabalho – tanto em relação à performance, quanto em relação ao uso das máscaras? São coisas que causam um estranhamento, certo?

É, eu ouvi de pessoas mais próximas a mim e depois de pessoas que eu nem conhecia que me disseram “como é angustiante te ver ali”. Porque elas imaginam que a tatuagem doa, e quem tem sabe que dói. Incomoda. Mas depois elas dizem ainda mais angustiadas: “Mas a tua máscara!! E tu não tem nariz!!” (risos) então fica essa questão, porque eu trabalho com essas duas diferenças e ali eu estou aguentando, suportando aquelas dores. Ao mesmo tempo, aquelas pessoas estão compartilhando aquilo comigo, não porque estão sentindo, mas porque imaginam como seja. E eu acho isso muito interessante.

Bem provocativo.

É, e eu gosto de provocar neste sentido, porque a tatuagem é uma coisa que tu fazes a quatro paredes, e as pessoas tem muita curiosidade de saber como é. Pra mim, desde criança, a curiosidade é o que me moveu a muitas coisas. A arte pra mim hoje é isso, é curiosidade. As coisas que eu sei, eu gosto de passar. Parece o mágico que gosta de desvendar o truque, sabe? (risos) Ao mesmo tempo, me cria mais curiosidade ainda.

É legal porque a tua curiosidade provoca também em outras pessoas.

Isso, e aumenta a minha!

E sobre o vídeo, “Orientações Desordenadas”?

Quando eu fiz ele, foram feitas duas voltas de 180 graus. Um era uma ação mais imponente. O que chama a atenção é a máscara, e remete à luta livre. O outro 180 é o personagem com a máscara de gás. Este parece que está procurando alguma coisa, não encontra nada ali. Uma parte eu fiz sem nada, apenas 180 duas vezes. Na edição do vídeo, começaram pequenos erros de colocação, e eu fui deixando, trabalhando com isso. Por isso o nome, orientações desordenadas, porque eu tinha uma orientação, mas aconteceram estes descompasses e, ao mesmo tempo, há partes em que os vídeos se juntam e se deslocam novamente. Se tu tentas acompanhar o primeiro, tu te perdes. Eu mesmo, quando tento acompanhar, não consigo.