Em dezembro será lançada a Plataforma de rede e conteúdo EAI – Espaços Artísticos Independentes, resultado do projeto Cadernos de Gestão, da Subterrânea. No site, os usuários poderão interagir em fóruns, alimentar mapeamentos, pesquisas e agenda coletiva. Também poderão ser acessados vídeos, entrevistas, pesquisas, análises, textos e referências sobre a gestão cultural de espaços artísticos no Brasil.

Com o objetivo de fomentar as discussões que abastecem a Plataforma, a Subterrânea realizou no dia 27 de outubro um Encontro de Gestores que contou com a presença de Aline Bueno, Antonia Wallig, (Vila Flores), Joana Burd (Acervo Independente), Marcelo Monteiro (Estúdio Hybrido), Adriane Hernandez (Casa Paralela), Lilian Maus (Atelier Subterrânea).

Confira abaixo a transcrição do debate que teve mediação de Janaína Spode e Carolina Dalla Chiesa.

gestores

 

 

Carolina [Pesquisadora] – A partir do surgimento dos espaços, como se deu o planejamento da gestão?

Marcelo [Estúdio Hybrido] – Conforme foram surgindo os projetos, definimos que cada vez que a gente fosse mostrar um projeto, seria um trabalho único, de um dia apenas. A gente  criava o evento, montava, contratava pessoas, copa, vinho, enfim. Fazia a produção. No outro dia, a gente desmontava e voltava a trabalhar. No mesmo momento em que ia se criando o espaço, a gente ia definindo como ia agir.

Carolina [Pesquisadora] – Isso é uma das características dos outros? Planejavam e executavam?

Aline [Vila Flores] – Pra gente é um eterno prototipar. É um pouco de como a gente vê. É que nem a história de locar o espaço do Vila Flores para artistas. A gente poderia ter esperado a reforma ficar pronta pra fazer isso, mas a gente quis fazer agora pra ser uma forma de a gente testar como seria a nossa gestão. Como a gente vai trabalhar com tanta gente. Hoje somos cerca de 50 lá dentro. É um grupo bem expressivo de demandas e ofertas circulando por lá. A gente tenta estabelecer certos horários. Nossa última tentativa foi: “terça-feira é o dia de receber as pessoas”. Porque as pessoas querem muito fazer visita guiada. Não basta ir ao Vila Flores – tem que ir lá e ouvir toda a história. Só que toda a história leva uma hora.

Antônia [Vila Flores] – São dois prédios e um galpão.

Aline [Vila Flores] – Costumam bater na porta com esse intuito de “quero conhecer”, sem muito horário, e a gente costuma receber as pessoas, claro. E talvez eu fale uma coisa muito forte, mas isso é uma coisa meio enlouquecedora, porque muitas vezes estamos no meio de uma reunião e de repente chega uma pessoa e diz que quer conhecer o Vila Flores. Muitas vezes acontece de a gente ter cortes muito bruscos no nosso fluxo de trabalho. Às vezes, estamos fazendo algo que exige muita concentração e vem alguém querendo falar com a gente, perguntar alguma coisa… Também estamos testando como fazer. Estabelecemos a terça para receber as pessoas, mas daí vimos que é muito cansativo porque passamos o dia inteiro falando. Então estabelecemos pequenos grupos – 5 pessoas. E as demandas são muito diversas, a área da cultura é muito grande – um quer fazer evento, outro quer atelier, outro que fazer um espaço fotográfico, um quer um show. É bem complicada essa questão da gestão, porque um gestor acaba executando. No momento em que tu paras e atendes uma pessoa, tu estás executando uma tarefa. E aquilo que era super importante, sei lá, um edital para gente ter recursos para um projeto bacana, acaba  sendo feito na última hora porque há tantas atividades e tantas tarefas que isso fica pra última hora. A gente que faz o Facebook, a gente que faz os eventos, a gente que faz… é tudo a gente! Então é muito isso, as questões da gestão e da execução ainda se misturam, fato que acaba deixando a gestão deficiente. Porque, ao invés de tu determinares o que deve ser feito por cada um, tu estás lá realmente fazendo. Claro que é normal, todos os gestores com quem eu converso falam isso. Mas, cada vez mais, a nossa ideia é dividir tarefas, porque eu acho que essa divisão de cada um saber o que vai fazer é um sucesso para o projeto. É que nem cachorro: se tem muito dono, tu nunca sabes se ele comeu ou não.

Antônia [Vila Flores] – Eu acho que é legal a gente contar como a gente chegou nesse espaço, porque não foi algo que a gente conseguiu planejar antes – o que talvez teria sido ótimo. Foi algo muito orgânico, de realmente abrir o espaço e ver o que as pessoas mostravam pra gente dentro do nosso desejo, como família, e dentro do desejo de todos que estavam chegando para juntar ideias e vontades. Foram surgindo pessoas com certas habilidades e que estavam dispostas a assumir determinadas tarefas. E algumas assumiram tarefas por pura paixão. Assim como a gente, como família, que investiu naquele espaço por pura paixão de compartilhar desejos e de fazer ele se tornar vários projetos. Chegaram pessoas como a Aline, com esse conhecimento sobre gestão cultural, ou pessoas que tinham conhecimento de Arquitetura – porque o Vila Flores não é só um complexo cultural, existe todo um projeto arquitetônico complexo de revitalização de todo aquele espaço. Foram chegando muitas pessoas para ajudar, mas, em um momento, a vimos que precisávamos de um setor da cultura, um setor da arquitetura e um setor da administração/finanças – que nasceu na marra! Imagina, artistas e arquitetos querendo organizar aquilo tudo. Bom, então ficou um irmão para o setor arquitetônico, um irmão para o setor cultural, e o pai para o administrativo. É muito recente o fato de a gente ter um email “cultural@vilaflores”, um email “financeiro@vilaflores”… é muito novo o fato de a gente ter um arquivo  dentro da sala da Associação Cultural que, por sua vez, também é muito nova…  Enfim, ter um arquivo com as contas separadas – o que é água, o que é IPTU, o que é luz… – é recente. Antes chegavam as contas e a gente ficava com aquilo que nem uma batata quente, um passando pro outro. Foi muito orgânico. A gente ainda não conseguiu criar uma fórmula pra dizer que esta é a nossa metodologia. É um processo que está se transformando, até porque está se criando em cima de um conceito Vila Flores, que também está sendo definido com todo mundo que está chegando lá.Talvez quando a gente chegar a uma metodologia, já vai estar na hora de mudar ela de novo.

Joana [Acervo Independente] – Depois de pensar o sonho e começar o projeto, a próxima coisa que veio pra gente foi o financeiro. As pessoas não tinham dinheiro pra manter o espaço. Nem todos nós somos “nerds”, mas a gente se dá bem no mundo online e a gente começou a procurar sites de crowdsourcing, crowdfunding, e todas essas coisas colaborativas. A gente começou a descobrir um mundo que pode ser um pouco mais colaborativo, em que as pessoas podem se ajudar. A gente se espantou com a capacidade das pessoas em realmente ajudar. A gente pensou o que queria fazer, viu que precisaria do apoio de um público, então esse projeto já começa pensado muito pelo financeiro. A gente precisava comprar coisas e éramos todos estudantes ganhando salário de estagiário, então mal dava pra pagar a casa. Hoje em dia, somos 18 trabalhando lá, cada pessoa contribui com um valor por mês e a gente mantém nosso espaço, galeria, eventos, se paga. Talvez tenha sido uma coisa muito positiva a gente ter pensado no financeiro, porque a gente nunca teve problema de negativo. A gente não ficou no negativo em nenhum evento até hoje porque a gente teve apoio de pessoas que pensaram no financeiro. E não foi nenhum de nós, foram pessoas que foram chegando. Tiveram alguns jovens empreendedores de Porto Alegre que apoiaram muito o nosso projeto e começaram a fazer reuniões frequentes com a gente. Teve também pessoal do Rio, de São Paulo, outros coworkings… Acho que a palavra coworking é muito chave no nosso projeto, porque os outros coworkings acham curioso que a gente seja um coworking artístico. Nos perguntam: “Mas como assim? Um coworking que dá pra sujar? Vai ter tinta? Tem curadoria?”. As pessoas começaram a  ficar afim de participar dessa criação. O que a gente fez – e o que eu acho que é uma dica excelente – foi conversar com muita gente antes! Muita gente. Todos nós. O Marcelo (do Estúdio Hybrido), inclusive, foi um com quem eu conversei logo no início, acho que a gente tinha recém inventado o nome do Acervo. Cada pessoa agregava um pouco. E isso com o projeto no ar arrecadando dinheiro. Foi muito simultâneo e muito estruturado. Somos recentes, temos 10 meses. Abrimos em dezembro de 2013. Então o financeiro da casa não é nenhum grande mistério. Temos um grupo em que a gente posta o quanto entrou, quanto saiu, enfim, a gente tenta deixar isso aberto ao máximo. O mais difícil foi sistematizar a galeria – de como a gente ia fazer vendas pela galeria, porcentagens, valores, tamanhos… e a faculdade não fala sobre isso! Somos todos da faculdade de artes e não se fala sobre isso. E a gente chegou com essa ideia de arte com empreendedorismo  e foi “WOW!!”. E essas pessoas que se uniram com a gente nos ensinaram, nos falaram sobre Facebook, nos falaram pra não gastar com flyer, por exemplo. Coisas super pequenas, mas que super nos ajudaram. Espaços colaborativos vão lá e criam um ambiente de troca. Até hoje a gente não teve problema nenhum de financeiro.

Aline [Vila Flores] – Isso pra gente de conversar com outros gestores é super novo e, pelo menos da minha parte, rola uma curiosidade muito grande de saber como vocês gerenciam isso. Uma pergunta bem específica: tu assinaste o aluguel da casa?

Joana [Acervo Independente] – Não, eu abri uma empresa. E fica no nome dessa empresa.

Aline [Vila Flores] – Está no nome de uma pessoa jurídica.

Joana [Acervo Independente] – Sim, tudo em nome de uma empresa ME que pode migrar para uma empresa maior a qualquer momento. A gente tem contador, advogado, toda uma equipe formada, normalmente, por pessoas próximas que trabalham por um valor mais acessível. Eu faço a administração e temos uma estagiária que faz a parte mais braçal. A estagiária abre todo dia a casa, faz campanha de Facebook, vê se está faltando papel higiênico, enfim. Ela é a nossa faz-tudo, trabalha todos os dias das 14h às 19h, e eu faço essa parte mais externa, apresento a casa…

Aline [Vila Flores] – Minha outra pergunta é sobre as fontes de recursos pra manter a casa – cada um colabora com uma parte e também acontecem eventos, certo? Eles são uma parte importante? Porque no Vila Flores não é nem um pouco nosso objetivo que aquilo se torne um espaço de entretenimento ou algo do tipo. A gente já bateu na tecla muitas vezes de que não é um lugar pra fazer uma festinha. Queremos que as pessoas entendam o Vila Flores como um lugar de transformação, de educação…

Antônia [Vila Flores] – De diversão também.

Aline [Vila Flores] – De diversão também, claro. Mas tem gente que chega lá e meio que caiu ali de paraquedas… Mas a gente entendeu que evento faz com que a caixinha da Associação engorde um pouquinho. Por isso a gente ganha um pouquinho também na venda de comidas e bebidas. E gostaria de saber como é no Acervo Independente. Nós, às vezes, temos que fazer porque viabiliza algumas coisas.

Joana [Acervo Independente] – No nosso caso, como a gente trabalha com o público basicamente universitário – a nossa página no Facebook disse que o nosso público tem de 18 a 25 anos –  é um pessoal que está na faculdade, mestrado, etc. É um pessoal que não gosta de investir dinheiro. Em nada. Se tem que pagar 2 reais já desistem. Então a gente tenta fazer com que tudo seja o mais acessível possível. Por isso os eventos não são o “quente” da nossa caixinha. O quente da caixinha são  os próprios aluguéis que a gente paga para ter o espaço de trabalho. Os eventos acabam sendo o modo como as pessoas chegam lá pra beber, conversar, viajar… Aconteceu, muitas vezes, de a gente ouvir: “Essa é a primeira obra que eu estou comprando”. A pessoa tem essa realização dentro do Acervo.

Adriane [Casa Paralela] – Na Casa Paralela, temos uma pessoa que trabalha pra gente e que abre a casa. A Casa abre de segunda a sexta, das 14h às 19h, e geralmente é um morador da cidade que trabalha com a gente. Remunerado. Hoje a gente divide todos os gastos da Casa Paralela. Essa questão de gestão… geralmente a gente “perde” mais do que ganha. Como a gente ganha? No final do ano a gente faz a exposição Mercado Paralelo, com a venda de obras. Também ganhamos algumas leis de incentivo. Estamos tentando a terceira vez o edital Pró-Cultura de Pelotas. A gente também vende bebidas nas aberturas, coisas assim. Atualmente, todos nós trabalhamos em outras funções. A gente tem um grupo parceiro, que é da extensão da UFPEL, o Patafísica. Eles trabalham de forma bem ativa na casa com formação de mediadores e cada vez que a gente abre uma exposição eles fazem visitações, mediações inovadoras. Vão criando, conforme a exposição, mediações diferentes. Este apoio é fundamental. E as leis de incentivo também têm sido importantes. Ano passado, pagamos o ano de aluguel com lei de incentivo. Este ano a gente compartiu o aluguel. Vários falaram aqui e é verdade: é muita paixão!

Carolina [Pesquisadora] – É uma atividade dentre outras na vida de cada um?

Adriane [Casa Paralela] – Exatamente. E hoje eu já estou em Porto Alegre e fica bem mais difícil pra mim. Minha atividade hoje está restrita ao contato via internet. O Tiago está montando exposição, fotografa, me manda e a gente vai se virando assim.

Carolina [Pesquisadora] – Vocês têm muitas divisões de tarefa no dia a dia?

Adriane [Casa Paralela] – Sim, mas como foi falado aqui, a gente é mais executor do que gestor. Não temos essa visão de gestor. O problema vai surgindo e a gente vai resolvendo. Quem tem mais facilidade vai resolvendo, quem está mais perto… E tem a particularidade da cidade também, Pelotas, que tem esse modo mais complicado de ver a questão da gestão. Na Universidade também se trabalha muito pouco com isso… É difícil encontrar alguém lá disposto a dividir essas funções com a gente.

Antônia [Vila Flores] – Eu estava pensando que o Vila Flores não tem essa dificuldade de arcar com a locação de um espaço, mas o fato de ter um espaço próprio implica em muito gasto, em muito investimento. A gente ouve as pessoas e vai lembrando de muitas coisas que acontecem com a gente. Pra gente é até difícil de definir: existe o Vila Flores Empreendimento Imobiliário – e a gente detesta esse nome, mas também é isso, de certa forma, pois é um empreendimento que loca espaços para artistas –  e existe o Vila Flores Associação Cultural. Conseguimos há pouco tempo o CNPJ da Associação. Então são duas gestões diferentes. Sempre existia essa conversa com o caráter de empreendimento comercial do espaço – como ele vai apoiar a associação cultural? Porque se fosse só o empreendimento imobiliário, seria apenas um prédio a ser alugado. Já falaram pra gente até o seguinte: “Vocês deveriam abrir aí uma casa geriátrica!”. Então o tempo inteiro é a gente tentando se definir entre nós mesmos. E até o momento é o empreendimento imobiliário que paga o salário de quem trabalha nos três setores do Vila Flores. E nada mais é também do que o dinheiro da família. Todo o dinheiro do aluguel retorna para a reforma do próprio espaço. A gente conseguiu chegar a um nível em que não investe do nosso bolso, mas não existe ainda um lucro nem como empreendimento, nem como associação. Então é algo que está ali se bancando. Acho que é investimento de todo mundo, porque as pessoas que estão lá também estão apostando no espaço, e  todo mundo junto está fazendo a coisa acontecer.

Lilian [Atelier Subterrânea] – Acho que o exemplo de todo mundo aqui é que se parte de um negativo. Seja o aluguel, seja o IPTU. E a partir desse negativo, tu começas a planejar o que tu tens que fazer, o que rende mais, o que rende menos, pra tu chegares nessa equação. De repente tu consegues rachar entre os sócios, como é o caso da Casa Paralela, ou usar esse conceito de coworking, do Acervo. Aqui na Subterrânea, desde o início, fomos bem criativos. Não tinha essa coisa da vaquinha online. A gente criou as rifas, logo nas primeiras exposições, em 2007. Era mais fácil convidar os amigos a doar uma obra do que rachar vernissage. Sempre tivemos senso de realidade porque todo mundo era duro e não tinha como gastar com vinho, pastas, etc. Desde o início tivemos que sanar isso com outras alternativas. Então havia as rifas, que davam um trabalho infernal! Aquela coisa de bater na vizinhança vendendo números. Tinha os sortudos, tipo o Marcos Sari, que comprava uma rifa e ganhava sempre! E outras pessoas compravam com frequência também. Com o tempo, foi ficando desgastante. Então a gente mudou para o modelo de leilão. Recentemente, nos demos conta de que, na verdade, o leilão online é o melhor modelo. Tu não gastas com o transporte, porque às vezes a obra vem de São Paulo e quem compra é também de São Paulo. Então a obra vem e volta. Outra questão das rifas, além de gerar um fluxo de caixa, é o lado do artista que doa, pois ele tem uma relação diferente com a gente, assim como quem contribui com o Acervo Independente. Há um afeto, alguém que colabora mesmo pra coisa acontecer. Havia uma esperança nossa de fomentar novos compradores, novos colecionadores… Uma cerveja ou uma rifa? Tinha gente que ia na cerveja. Várias pessoas não deram continuidade a nenhuma coleção, enfim… E coleção é desejo. Tu tens que desejar muito. Às vezes, quanto mais difícil, mais a pessoa vai batalhar. Não é num golpe de sorte que a coleção vai começar.

Aline [Vila Flores] –  Quando a Joana falou de alguém que compra a primeira obra, eu até ia comentar que muita gente compra pôster e nem se dá conta que pode comprar por mais barato uma obra mesmo. A gente tem esse papel de criar uma cultura para as pessoas perceberem que às vezes é mais legal tu investires em uma obra do que em uma reprodução do Van Gogh. Às vezes o pôster é até mais caro! O próprio NOA NOA que teve no Atelier Livre, ou a Parada Gráfica no Museu do Trabalho são iniciativas que fomentam essa cultura. Sem contar que é muito legal tu poderes falar da obra para as pessoas – “essa aqui eu comprei no lugar tal, é do artista tal, é litogravura…”

Joana [Acervo Independente] – Eu acho que as redes sociais e essa realidade vitrinosa que temos – de tu teres um perfil, tua foto, tudo.. – auxiliam esse processo de aquisição de peças únicas. A pessoa tem prazer em adquirir e compartilhar. Tem essa onda do hipster, do ser diferente, que incentiva novos compradores. Por mais que a gente receba um artista que já tem uma produção muito maior do que a nossa galeria pode comportar, a gente sugere que ele faça alguma coisa mais acessível porque se tiver alguém que quiser muito comprar, ela vai ter uma opção de compra. E isso surgiu porque nossa galeria não tem os melhores spots ou condições climáticas, então dá pra ter uma moldura mais simples, trabalhos prontos que podem ir direto pra casa… E a internet ajuda um pouco.

Janaína [Gestora] – Na realidade, vocês assumiram um papel de mediação também, porque os espaços têm um caráter de formação de público – tanto o público que consome quanto o que produz. Vocês estão nesse meio do caminho e atendem às duas pontas. Vocês tentam criar esse meio em que o público chegue no artista, mas de uma forma diferente, meio fora do circuito, e talvez por isso o termo independente. Mas a questão da formação do público também está presente. Então isso também entra como uma dificuldade pra vocês lá no início? O espaço físico é um caminho para a formação do público?

Marcelo [Estúdio Hybrido] – No Estúdio a gente viveu dois momentos interessantes. Primeiro, no início, a gente começou a apresentar os projetos e a criar os eventos como se fossem festas. No primeiro evento, tinha iluminação, porta aberta, VJ, música… Logo em seguida, teve outro evento, um trabalho do Alexandre Moreira, que era uma festa em si. E isso criou uma ideia do espaço que a gente não queria. O nome Estúdio Hybrido já não diz o que é, pode ser qualquer coisa, então foi se criando um perfil e uma procura por um espaço que, além de arte, proporcionasse festas. E a gente se deu conta de não repetir aquilo e paramos aquele processo. Ao mesmo tempo, começamos a mapear os espaços em volta. Por exemplo, tinha ali perto a Escola Técnica Estadual Senador Ernesto Dornelles que tem um curso profissionalizante de design de interiores e a gente também customiza móveis, enfim, trabalha com objetos. Começamos a trazer esse público pro Estúdio. A gente percebeu que poderia ter um público mais underground e que também consumiria mais, então a gente trocou a noite pelo dia. A gente procurou um público diurno, que ia lá pesquisar, se informar. Promovemos cursos específicos em algumas áreas.

Carolina [Pesquisadora] – Esse público tem um perfil?

Marcelo [Estúdio Hybrido] – Fica entre os 25 a 50 anos. Depende muito do tema. A gente mexe com gravura, por exemplo, que é uma cultura que move a velha guarda das artes, pessoal das antigas mesmo. Ao mesmo tempo, tu estás falando de moda, de audiovisual, e a gente está sempre na internet… sempre tento postar as coisas o mais rápido pra manter as coisas atualizadas. E isso provoca já outro público.

Adriane [Casa Paralela] – Lá na Casa Paralela sempre pensamos muito nisso. O Patafísica tem esse vínculo com as escolas, visitações com frequência… mas, no segundo ano em que a gente estava lá, a gente criou um projeto em que fomos nos espaços expositivos que existiam na época, eram 5, e criamos um mapa com as coordenadas de cada exposição. Então esse mapa tinha as exposições que as pessoas poderiam ver, já um indicativo de onde elas poderiam ir, por onde circular. Havia essa vontade muito grande de criar vínculos entre os espaços e fortalecer parcerias, pra não criar uma situação de competição quando já temos poucos espaços na cidade. Nas exposições, a gente buscou colocar artistas que ainda estavam na faculdade com artistas já consagrados Também colocávamos um artista que já tinha uma inserção na cidade num local mais longe, pra provocar o deslocamento das pessoas. Então, desde o início, temos esta preocupação que não diz respeito apenas ao nosso espaço, mas que busca criar essa discussão no circuito inteiro. Temos a preocupação de poder criar essas parcerias com escolas, universidades. E depois que a gente criou a Casa Paralela, em um contexto em que não havia nenhum espaço independente, hoje já contabilizamos 6 espaços independentes em Pelotas. Então foi um movimento que foi se disseminando, as pessoas foram vendo que era possível.

Carolina [Pesquisadora] – E qual é o público alvo do Acervo Independente?

Joana [Acervo Independente] – Universitários. Não significa que é unitário. Na verdade, o público alvo são os amigos dos fundadores – somos 6 colegas do Instituto de Artes da UFRGS. Em qualquer evento, a gente parte do princípio que virão os amigos e já teremos aí umas 60 pessoas. Depois, depende da exposição ou evento. Há públicos bem diferentes – dá pra notar claramente. Uma exposição coletiva de artistas que estão expondo pela primeira vez tem um público muito grande.  Ou, em uma exposição de um mestrando do Instituto de Artes vem o pessoal do Instituto de Artes, claro. Depende muito da exposição. A gente conversa bastante sobre isso. Uma vez por semestre tem exposição dos artistas que trabalham na casa, então vem os nossos amigos. Temos uma frequência de 1000 pessoas por evento, mais ou menos.

Carolina [Pesquisadora] – Tem um aspecto que me salta aos olhos, principalmente em coletivos de cultura – e isso pode, ou não, ser expandido para os coletivos de arte – que são as redes de sociabilidade que sustentam os espaços. Os amigos dos amigos que chamam gente, que se conectam pela internet, enfim. São públicos que se fundam em sociabilidade. Como é o caso do Vila Flores?

Aline [Vila Flores] – Eu acho que o Vila Flores tem muitos entusiastas! Incrível. As pessoas se entusiasmam e querem participar. São “abelhinhas”, porque divulgam muito  o projeto. Pelo Facebook a gente consegue ter uma noção disso. Temos muitos compartilhamentos. Nosso público é dos 5 aos 100 anos, então alguns se interessam pelo espaço de arte, outros pelo patrimônio histórico… Estes entusiastas, cada um por uma razão, acabam distribuindo o projeto pra gente. Nesse ano, tivemos várias matérias sobre o Vila Flores. O Marcelo (do Estúdio Hybrido), por exemplo, fez um vídeo durante o Arraial do Vila Flores que mostra muito bem isso, que o Vila Flores vai dos 5 aos 100 anos. Desde crianças até pessoas de idade compartilhando o espaço. É interessante porque todo mundo que vai lá na primeira vez sempre arrasta consigo mais alguém da próxima vez. É impressionante. Quando tu entras lá, parece que tu estás em outro tempo. A gente tem que aproveitar como ele está assim, porque depois ele vai estar reformado, então temos que aproveitar essa estética agora. A gente tem que curtir enquanto ele se presta a determinadas atividades.

Antônia [Vila Flores] – Quando a gente chegou no Vila Flores, houve um interesse muito grande da comunidade porque os vizinhos sempre conheciam alguém que tinha alguma relação com o lugar, ou que tinha morado lá, ou que tinha tido algum negócio lá. O primeiro público que a gente recebeu foi a própria comunidade do bairro que estava muito curiosa pra saber o que ia ser feito ali. Eram desde pessoas que tinham nascido no bairro até pessoas que estavam ali recentemente. Foi muito legal porque era o que a gente mais queria acessar. É um público que a gente se esforça muito pra agradar. A gente promove várias atividades para a comunidade. Procuramos sempre integrar nossas atividades com as outras pessoas que estão ali – com o Hostel que há ali perto, com o pessoal da praça… Procuramos sempre pessoas do entorno para trabalhar com gente, seja com a comida que vai ser vendida no evento, seja com outras coisas. É muito engraçado pensar aquilo de “não tem ninguém aqui que eu conheço”, porque é uma sensação de “que bom”, mas também é uma coisa de “filho que cresceu”! Em relação ao público, também é legal que a gente foi criando uma relação com as universidades. Elas vieram até o Vila Flores e a gente foi até elas também, falar sobre o projeto e tal. Inclusive, a gente descobriu todo o potencial do Vila Flores por conta de uma tese de mestrado da PUCRS que foi feita em cima do Vila Flores. Hoje a menina que fez essa dissertação tem o escritório dela lá no Vila Flores. E isso vai criando uma relação muito legal. No evento que a gente fez ano passado, o Simultaneidade, a professora Ana Albani (*presente no debate) foi lá com um grupo muito legal que tinha uma sala expositiva. Hoje também tem um espaço lá da Arquitetura da PUCRS, então, enfim, esse público das universidades também está presente. Semana passada aconteceu um teatro pra crianças que estão na creche da Praça Florida. O público era todo infantil. Esse público é mesmo de 5 a 100 anos e são crianças, são pessoas do bairro, são universitários. Isso é muito legal e a gente quer manter. Mas dá trabalho.

Carolina [Pesquisadora] – Tem uma questão importante que apareceu nas entrevistas que é a relação dos espaços com o seu entorno. O Vila Flores falou bastante de como isso acontece. Queria saber dos outros espaços as relações que estabelecem com o entorno. Existe essa relação? Ou se não existe, quais as dificuldades que se apresentam neste caminho? Porque, muitas vezes, é difícil de cativar aquela comunidade que está ao redor.

Joana [Acervo Independente] – A gente está no Centro Histórico de Porto Alegre. Chegamos, assim como Vila Flores, em uma casa de 102 anos que estava fechada há 16. Já morou muita gente lá também e acho que os primeiros curiosos foram os vizinhos. No início, eles ficaram meio assustados com a gente, mas depois viram que nós vamos embora sempre às 22h e ocupamos o lugar como espaço de trabalho. A gente tenta sempre ter uma aproximação com o pessoal dali porque a gente fecha o perímetro da rua nas aberturas de exposições em função de que temos um número limitado de pessoas que podemos receber. Então a gente descobriu essa brecha de poder fechar a rua para as pessoas ocuparem não só o primeiro andar da casa, que é onde fica a galeria. Daí pensamos que era complicado, porque, poxa, se fechassem a minha rua e eu nem soubesse o motivo eu ia ficar muito chateada. E lá as pessoas vivem muito o bairro – elas não têm ar condicionado então sentam na calçada com suas cadeira de praia, as crianças brincam na rua… Todo mundo convivendo. Bicicleta, carroça… No verão aumenta a frequência de pessoas que ficam ali. Mas, ao mesmo tempo, a gente distribuiu uma carta para toda a rua e para ruas laterais, cerca de 400 folhetos bem simples dizendo o que somos, o que estamos fazendo, e convidando para conhecer ou para participar de algum evento. E eles não vêm. É bem difícil. A gente tem encontrado uma forma mais fácil, que é escrever de giz na casa o que está acontecendo. Às vezes eu estou chegando lá e tem gente lendo a programação. É uma tentativa constante de estar ali. Nossos vizinhos também fizeram uma tentativa de evento para a comunidade e não foi muita gente. Era uma cozinha vegana. A gente participou, mas os outros não foram. É que o fato de o Acervo Independente ter uma galeria de arte com apelo contemporâneo e ter obras ali que as pessoas não vão entender “de cara”, torna a coisa um pouco difícil. As pessoas se encontram nessa situação e querem sair logo dali. A gente não tem trabalho de mediação, eu faço um pouco, a estagiária faz um pouco, mas não temos um mediador.

Adriane [Casa Paralela] –  A Casa Paralela fica numa rua de paralelepípedos. Não costumamos fechar a  rua, mas  é interior e é aquela coisa: todo mundo muito curioso! Foi só colocar a plaquinha na frente e as pessoas vieram! Cada vez que eu pego um táxi, o taxista quer uma explicação sobre que lugar é aquele ali. Então o pessoal na volta é muito curioso. Outro dia, uma amiga disse que pegou um táxi da rodoviária de Pelotas e pediu para ir na Casa Paralela e o taxistas sabia onde era! Isso eu achei muito legal. O público que nos cerca é basicamente de universitários, porque é centro e porque tem a Universidade Federal e a Universidade Católica ali no entorno. É perto do porto. O maior público é de estudantes mesmo.

Joana [Acervo Independente] – É engraçado que a nossa janela é na altura da rua, no térreo, e nas primeiras semanas que a gente estava na casa e ficávamos ali, volta e meia a gente tinha que avisar as pessoas que estavam em reunião conosco que poderia vir uma “cabeça” na janela. E vinha! As pessoas enfiavam a  cabeça para olhar o que tinha ali.

Carolina [Pesquisadora] – O bom é que há vizinhos querendo participar.

Adriane [Casa Paralela] – Eu lembro que, no Paralelo 31, o Túlio Pinto, artista da Subterrânea, fez uma instalação com uns balões laranja e encheu de curiosos que perguntaram se ele poderia fazer aquilo em casamento!

Marcelo [Estúdio Hybrido] – O Estúdio Hybrido mudou de endereço agora, estamos no Vila Flores, mas nos 3 anos em que estivemos no Centro Histórico, também estávamos em uma casa bem antiga, de 1928, um sobrado. E logo que a gente abriu o Estúdio, eu tinha ido a Buenos Aires fazer um curso e fiquei encantado com as esculturas das sacadas. Resolvi botar então uma escultura na sacada do Estúdio Hybrido que era um par de pés e aquilo causou um estranhamento no bairro muito bacana. Se tu fores a uma fanpage de fotografias de Porto Alegre, tu achas fotos dos pés na sacada e as pessoas comentando coisas muito engraçadas. No ano em que a gente criou o Estúdio, a Bienal do Mercosul tinha um programa pela cidade com alguns pontos para visita, com escultura e tal. Eu corri na frente e criei o “Circuito de Espaços Alternativos no Centro de Porto Alegre”. Bati na porta de todo mundo, mostrei a proposta, criamos uma dinâmica… E a proposta era receber estas pessoas que já estivessem circulando pela cidade em função da Bienal. No fim das contas, não vingou. Mas a gente ficou com essa ideia e tentamos algumas alternativas – Jabutipê, Museu do Trabalho… Mas agora estamos no Vila Flores e estamos em um apartamento maravilhoso porque é bem na esquina, tem janela na rua São Carlos e janela na rua Hoffmann. Estou bem feliz.

Janaina [Gestora] – Uma curiosidade muito pessoal: se o espaço físico não existisse, como seria o projeto?

Marcelo [Estúdio Hybrido] – Muito do que o Hybrido se tornou foi em função do seu espaço físico, porque era um espaço inteiro sem divisórias e isso nos possibilitou uma série de ações bem específicas. Agora no Vila Flores está sendo uma reformulação. O espaço físico são salas, a dinâmica é outra, porém tem um galpão em que eu estou apostando muito, acho que ali vai se criar um espaço multiuso que eu acho que vai nos possibilitar dar continuidade a algumas coisas que a gente criou lá no Centro Histórico. Basicamente eu acho que o espaço físico nos mantém. As ações que a gente vai ter, o número de público, se a gente vai conseguir dar um curso, se vai produzir uma obra grande ou pequena… Não consigo pensar sem saber onde produzir.

Carolina [Pesquisadora] – E a Casa Paralela, como seria sem o espaço?

Adriane [Casa Paralela] – No nosso caso, sem o espaço, acho que funcionaríamos a partir de projetos. A Casa nasceu antes de termos a casa, articulamos projetos antes de ter a casa. Claro que o espaço é fundamental, sem sombra de dúvida, mas eu acho que a parceria existe independente da casa. São pessoas que têm afinidade, dividem funções independentemente do espaço físico.

Joana [Acervo Independente] – Eu penso que o Acervo é o espaço físico.

Carolina [Pesquisadora] – O Vila Flores se constitui muito como espaço, né?

Antônia [Vila Flores] – Sim. Mas a gente também conversa bastante porque uma hora o Vila Flores engata e acontece por si só – o quanto esse conhecimento que a gente gerou ao criar e sistematizar o que está acontecendo ali pode se aplicar a outros espaços também. A gente já trabalha em cima disso como uma perspectiva. Essa equipe que está se criando lá e que engloba os setores cultural, administrativo e arquitetônico pode também ir pra outros espaços físicos. Mas também depende de um espaço físico ter a vontade de acontecer.

Lilian [Atelier Subterrânea] – No caso da Subterrânea, o grupo está totalmente atrelado a este espaço. Já fizemos alguns intercâmbios, e eu gosto de articular projetos, mas não é o perfil de todos os sócios. Não vejo o projeto Subterrânea pra fora dessa sede. Está atrelado a essa sede e, na medida em que vai pra fora, se torna outra coisa. Outras pessoas, outra realidade.

Carolina [Pesquisadora] – E como o virtual influencia a gestão de vocês? É essencial ou é só pra divulgação?

Joana [Acervo Independente] – Eu acho que tu tens que ter muito amor pra ser gestor e precisa também amar muito a internet. A gente estudou muito. Fizemos um estudo através de livros que nos indicaram. Então é “essencialíssimo”.

Aline [Vila Flores] – Sem internet é impossível fazer o que a gente faz. Impossível. Não tem como. É muita gente, é muita coisa. Há muitos anos sou fã do Google Docs. Não sei viver sem Google Docs, planilhas. É muito mais fácil tu fazeres as coisas de forma compartilhada. Tenho pânico daqueles “Word versão 1″, “Word versão 2″, “versão 3″, “versão alterada por fulano”… É tudo por Facebook, por grupo…

Joana [Acervo Independente] – Vocês conhecem o Trello? Nós trabalhamos com 15 pessoas conectadas através do Trello. Tu tinhas que fazer um xerox e por ali consegues ver que já foi feito. Então a gente trabalha muito por ali.

Aline [Vila Flores] – A tecnologia é essencial. O Vila Flores recebeu um menino de Manaus que está fazendo um start-up de economia criativa que nos escreveu perguntando se poderia visitar o espaço!

Ana Albani [público] – Eu acho que esse é grande diferencial desta época. Ateliês de artistas sempre existiram. Grupos, coletivos, sempre existiram. Estava pensando e olhando no “retrovisor”. A grande diferença dessa cena que temos hoje é a possibilidade de comunicação muito rápida e pela internet. Coletivos sempre tiveram, não vou nem retomar  a história – pensando nos clássicos, por exemplo, o Espaço N.O., artistas dos anos 80, ou até final dos 70… Ateliês como os da avenida Cristóvão Colombo (Porto Alegre)… Ateliês que eram muito parecidos na prática, mas não tinham essa possibilidade de comunicação como se tem hoje, essa rapidez de articulação. Era tudo muito mais lento. Este é um grande diferencial que temos hoje. A partir disso, nessa cena dos últimos 20 anos, a questão de profissionalização teve uma subida muito grande. Se a gente for pensar, por exemplo, no Instituto de Artes, havia lá há muitos anos atrás uma disciplina chamada de Organização Profissional.

Lilian [Atelier Subterrânea] – Hoje, eu acho que nem tem mais.

Ana [Público] – Eu acho que hoje isso fica espalhado por muitas disciplinas que discutem questões de políticas culturais, modos de fazer… O que não se tem ainda, e confesso que eu alimento  esse projeto há muito tempo, é a possibilidade de se ter formações mais específicas de produção e  gestão em artes visuais. Penso que ainda dentro do campo de gestão/produção não existe uma especificidade para artes visuais, principalmente nessa questão da exposição, do espaço… e ela tem suas especificidades.

Aline [Vila Flores] – Essa questão da velocidade é muito marcante e possibilita a questão das parcerias. Eu sempre me apresento, digo que sou do Vila Flores, falo sobre o que a gente faz… O meu sonho é que, cada vez mais, os coletivos estejam lá dentro e que a gente possa fazer projetos juntos, de preferência bem diversos, em que um astrofísico trabalhe com alguém das artes visuais, por exemplo. Esse é o meu sonho. Que sejam coisas muito díspares, mas ao mesmo tempo complementares. A Joana comentou uma coisa: tu vês o quanto as pessoas estão dispostas a ajudar quando a intenção é colaborativa. Semana passada fui me apresentar para o pessoal da Casa de Pandora, que é perto ali do Vila Flores. E disse que tínhamos que fazer mais coisas juntos. E a gente combinou que tudo que tiver relação com a região a gente vai se passar, se trocar. Nós não nos vemos como competidores. Nos vemos no mesmo barco, trabalhando juntosMuita gente procura o Vila Flores e, por maior que a gente seja, às vezes não há espaço pra tudo. Então pode haver essa via de encaminhamento. Assim como eles podem encaminhar eventos, já que a casa deles é menor, para o Vila Flores.

Lilian [Atelier Subterrânea] – Uma das ideias da plataforma EAI, do projeto Cadernos de Gestão, é justamente que ela seja alimentada com essas informações. Com essa otimização, também queremos que acabe essa separação entre o fazer e o registrar. Hoje em dia, ao fazer a gente já está registrando. Seja através do Trello, seja através de outros dispositivos que integram as informações que passam pela rede. Então se tiver uma plataforma em que a gente possa colocar isso a serviço de nós mesmos será ótimo. Todo o conhecimento que a Joana buscou para criar o Acervo, se tiver na plataforma isso – seja em uma biblioteca virtual, seja com links temáticos – todo mundo sai ganhando. Desde que a gente pontue e tenha metas, “hoje vamos dar conta disso” e que cada um dê suas contribuições. Minha preocupação é que a Subterrânea vai fazer 10 anos, e eu estou cansando, sabe? Assim como, daqui a pouco, o Vila Flores pode virar outra coisa e pra onde vai todo esse conhecimento que vocês juntaram até agora? E o Acervo Independente? Nem sempre todo mundo vai ter 20 e poucos anos. Daqui a pouco tu precisas de mais espaço também… São coisas da vida, são coisas normais. O espaço independente tem que durar enquanto o projeto é apaixonado e enquanto ele está se transformando. Depois que fica estagnado e que tu não vês aquilo evoluindo, é preciso repensar o projeto, repensar os gestores, repensar o espaço – ou até se precisa mesmo de espaço. Por que precisamos de sede? Hoje não sei se eu preciso de uma sede.

Janaína [Gestora] – Pra complementar isso, o quanto o projeto de vocês é maior do que vocês? Saindo você do projeto, como ele fica? Como aquilo que vocês estão fazendo hoje fica para a comunidade?

Marcelo [Estúdio Hybrido] – Há umas duas semanas, conversando com uma colega do Grupo de Gravura fiquei sabendo que ela estava dentro de um projeto muito semelhante a um que a gente tinha feito no Estúdio com surdos e deficientes visuais. Vi um braço daquilo que a gente tinha feito crescer em outra pessoa. Isso é muito bacana – a continuidade. Existem projetos que nasceram no Estúdio a partir da minha vontade e das minhas ideias, mas que hoje já não são mais meus.  Hoje aquele projeto, aquela aposta já anda sozinha com outras pessoas. Penso que o projeto é bem maior do que eu.

Aline [Vila Flores] – Além do Vila Flores, eu também sou uma articuladora do projeto Vizinhança, que também é um projeto multi-artístico focado na ocupação de espaços públicos e privados com arte e cultura. A gente tem visto que isso não é novidade, que muita gente tem feito isso de juntar a comunidade para compartilhar arte e cultura. Começamos a perceber muitos eventos parecidos. Claro, esses projetos sempre aconteceram, mas quando a gente começa a trabalhar com isso a gente começa a conhecer. Temos um projeto que se chama Café na Calçada – a gente monta uma mesa e as pessoas trazem comidas. E “bomba”, todo mundo quer participar. A gente já começou a se questionar se quer continuar fazendo isso. Tem um pouco disso, de tu quereres inovar, fazer uma coisa diferente… Tu não queres a mesmice. Vamos para outros formatos então, e que legal que a gente plantou a semente. Muitas pessoas já disseram “Ah, a gente está fazendo isso aqui em função do Vizinhança que nos inspirou”. Então o Vizinhança, assim como o Vila Flores, com certeza é muito maior do que cada um de nós. Quando as pessoas nos falam “Ah, por que vocês não fazem um Café na Calçada aqui na minha rua?”, a gente pensa “Mas por que tu não fazes? Pegas uma mesa, pegas uma toalha xadrez, colocas uma placa… É muito simples!”. Que legal que as pessoas já estão empolgadas e fazendo o projeto por si só. Aquilo que a Antônia falou, o filho está crescido. E é bom pra gente poder trilhar outros caminhos, fazer outras coisas, esperar outras pessoas, mas sempre com questão do convívio, do afeto, da arte e da cultura.

Antônia [Vila Flores] – A gente tem feito reuniões semanais – quando possível – entre todos os que estão ocupando o Vila Flores e, nas últimas reuniões, as pessoas que estão presentes já estão assumindo a gestão de algumas coisas. Esses dias, um dos meninos do Matehackers falou “Pois é, também não dá pra vocês fazerem tudo, né”. E pensamos que era ótimo que eles estavam vendo que a gente não pode fazer tudo mesmo. Eles já estavam assumindo, de certa forma, a gestão que parte de quem está ocupando. É legal que já está acontecendo e é  legal de pensar que nós, enquanto equipe Vila Flores, podemos usar esse conhecimento pra ativar outros espaços também.

Adriane [Casa Paralela] – Penso que a Casa Paralela enquanto ideia já se disseminou, já movimentou muita gente e tem gente trabalhando com ideias brilhantes. Essa sementinha foi plantada e se disseminou. Mesmo que a Casa Paralela não continue, e isso pode acontecer algum dia, a ideia em si eu acredito que vai permanecer.

Lilian [Atelier Subterrânea] – Eu esqueci de falar da Dona Clara, que é a proprietária do imóvel da Subterrânea, que é uma senhorinha… bom, tudo começou lá, ela e o Túlio fumando. Ela fumava três carteiras de cigarro por dia. Vocês podem imaginar. Realmente não se sabe o dia amanhã, e cada vez que ela tem problema de saúde, a filha assume e muda um pouco as dinâmicas pra gente. É muito instável, e acho que todo espaço independente tem um pouco dessa instabilidade, desse não saber. Um tem IPTU. Outro tem aluguel. E assim vai.

Marcelo [Estúdio Hybrido] – Complementando aqui – o olhar pra trás também é bacana. Uma das coisas que me inspirou a levar essa carreira foi o Nervo Ótico, o exemplo-mor da coisa. O documentário lançado ano passado é muito massa e tu vês a Vera [Chaves Barcellos] com aquele espaço lindo, maravilhoso, em outro formato. Décadas depois em outro formato. Nesses espaços independentes a gente faz parte de coisas muito maiores.

Antônia [Vila Flores] – Vai reverberando.

Aline Santos Barbosa [público] – É muito legal ouvir vocês porque eu estou bem na fase inicial. Eu coordeno dois projetos culturais. Um é um sarau, se chama Sarau Livre, e a ideia é criar conexão com várias atividades artísticas. Também coordeno uma banda, faço produção. Sou uma atleta cultural.

Carolina [Pesquisadora] – Ótima definição.

Aline [Público] – Nunca paro de pensar, não tenho tempo pra nada, um olho no relógio e um olho no Facebook, ao mesmo tempo…

Carolina [Pesquisadora]  – Acho que este vai ser o termo cunhado pelo projeto Cadernos de Gestão: atleta cultural.

Aline [Público] – É interessante ver o que vocês falam. A ideia tem que ser trabalhada pra se tornar um projeto, e o projeto tem que se tornar uma identidade. Porque a identidade é associada com a marca, a logo do projeto. E para a gente é interessante porque os artistas não precisam de um espaço deles, mas eles precisam ocupar um espaço. Então esse espaço tem que acontecer. O pessoal fala “ah é muito difícil ter um espaço”, mas ao mesmo tempo eles querem um espaço pra tocar, um espaço pra ensaiar. O que a gente faz, o atleta, é correr com eles em vários lugares, é estar à disposição pra saber onde a gente pode ir.

Aline [Vila Flores] – Em função do Vila Flores ser procurado por muitas pessoas e por a gente não ver os outros espaços como concorrentes, eu queria ter tempo de fazer um mapeamento pra saber o que tem em cada um destes espaços, se é grande, se é pequeno, se é alugado, se é de graça, enfim. Pra gente poder fomentar isso. É importante pra plataforma tentar abranger isso.

Aline [Público] – É interessante, porque o pessoal faz atividades culturais e não têm com quem compartilhar. Quer dizer, tu podes até compartilhar no Facebook, mas um dos problemas da internet é esse – tu ficas estagnado a um público que já é teu – teus amigos, teus fans, pessoas que gostam do teu trabalho.

Carolina [Pesquisadora] – A bolha do Facebook.

Aline [Público] – A ideia deve ser que esses espaços conversem entre si. Teu projeto vai sair na minha página. O meu vai sair na tua. Mas isso é muito difícil e o pessoal não faz. E isso poderia ampliar os públicos.

Janaína [Gestora] – E a plataforma vai ser aberta a outros espaços que queiram contribuir. A ideia também é agregar uma agenda coletiva, porque uma coisa que a gente viu foi que um espaço faz uma exposição, o outro recebe uma banda, o outro faz eventos…. e é muito mais fácil você otimizar isso financeiramente se você permite essa circulação entre os espaços de forma mais tranquila.

Aline [Público] – O sarau faz um pouco isso, porque a ideia inicial, além de trazer um público novo, é trocar informações entre os artistas. A ideia é que eles conversem entre si. Tem um aplicativo pra redes sociais que é um calendário – tu colocas tudo o que vai acontecer ali, e faz com que o público use tua própria página para trocar informações sobre eventos, coisa que estão rolando.

Lilian [Atelier Subterrânea] – Também teremos fóruns na plataforma. Estamos pensando em coisas que abram essas conversas a todos. E depois isso pode virar material pra pesquisa para outras pessoas, e pode virar referência para outros que tenham as mesmas dúvidas sobre coisas específicas. São conhecimentos que tu acabas não tendo onde buscar. São esses pequenos detalhes da gestão que às vezes faltam.

Joana [Acervo Independente] – Acho que isso é bem importante. A gente procurou muita coisa online. Tem um fenômeno que é o Do It Yourself. Tudo tu encontras “como fazer” na internet. É o fim do paradigma competitivo, o início da era da colaboração. A gente acredita muito nisso. A gente compartilha todos os eventos que nos solicitam. A gente atinge um público muito grande com a nossa página, então a gente tenta sempre ajudar. Mapeamos e indicamos outros espaços. Guardamos cartões e flyers para indicar espaços para outras pessoas. A gente acredita muito nisso. Demos de cara em muitas portas no início. Muitos espaços em Porto Alegre não responderam nem a uma ligação nossa, quando estávamos pesquisando Talvez 90% dos espaços ignoraram nossa existência até a gente abrir as portas. Então a gente tenta sempre ajudar os outros, “talvez não possa ser aqui, talvez possa ser lá”. Eu acho que a coisa não é tão identitária, é mais em relação a propósitos. Porque as identidades são muito variadas. Então a gente busca compartilhar propósitos, que é o que a gente está falando aqui.

Carolina [Pesquisadora] – E em relação ao futuro do Acervo?

Joana [Acervo Independente] – O Acervo tem um manual. Ele tem cerca de 60 páginas que explica como fazer a gestão do espaço. Nossa estagiária alimenta o manual e já tem total capacidade de fazer a gestão. Eu saio pra viajar, às vezes, por várias semanas em função do trabalho, e ela faz tudo. Então eu acho que se eu sair do projeto ele vai continuar. Inclusive a gente já falou isso entre os fundadores. Vai chegar um momento em que aquilo vai ficar pequeno para os nossos trabalhos – e já está ficando – e a gente vai sair. Assim como aqui na Subterrânea a Lilian, o Túlio e os outros já têm outros espaços de trabalho. E a gente acredita que é um espaço alavancador. Não acredito que vai ser um projeto no qual vou estar envolvida por 15 anos. Tanto que, daqui a pouco, chega um momento que aquela galeria não é uma galeria que eu quero expor meu trabalho. É um espaço limitado pra quem ainda está estudando arte. Acredito muito nesse movimento, e ele que já acontece. Das 7 pessoas que fundaram a Casa, hoje somos 5. Mas já tem outras 10. Entre as 10 já houve troca também. As pessoas que estão lá têm autonomia de criação de projeto. Os projetos que acontecem lá dentro eu só dou um OK de gestão – ok vão pagar a  faxina, ok vão pagar o segurança se é um evento pra mais de tantas pessoas, etc. A gestão que eu faço é muito mais burocrática de ir em contador, advogado, pagar conta, etc, do que realmente estar fazendo tudo – Facebook, eventos, etc. As pessoas tem autonomia porque a gente acredita que as coisas podem ser co-criadas. Caso contrário, o projeto fica muito a cara de uma pessoa só. Eu sou a pessoa que vem falar porque às vezes as pessoas não conseguem reproduzir tanto esse pensamento comum. Eu acredito muito em todas as pessoas envolvidas no projeto e penso que delas, 5 poderiam ser gestoras.

Carolina [Pesquisadora] – Muitas vezes, os espaços são autogestionados. Eu queria saber o que significa o termo independente pra vocês, já que é algo que permeia todo o nosso discurso – espaço independente, gestão independente. O que é ser independente para vocês?

Marcelo [Estúdio Hybrido] – Pra mim, é não depender da máquina pública. É o primeiro pensamento que tenho. Uma parte do que eu vivi foi em espaço público. Horário de chegar, horário de sair, normas de espaço público e de convívio político também. Não que eu seja independente do resto do todo. Mas sou independente da máquina pública. Me autogestiono. Sou autônomo. Prefiro autônomo do que independente. Prefiro o termo autonomia do que independência porque a gente fala que trabalha em rede. Não consigo mais trabalhar sem os parceiros, sem as trocas. Tenho autonomia de escolher os parceiros. O que eu acho muito bom também é poder exercer minha cidadania e poder criticar e mudar o que eu não concordo e o que eu acho falho na máquina pública em relação à gestão cultural.

Lilian [Atelier Subterrânea] – O que eu acho legal hoje é que todos os espaços estão sempre bolando formas de sustentabilidade para fora dos editais públicos, mesmo com o aumento da oferta de editais. Hoje tem editais até para a manutenção de espaços, coisa que é bem recente. Ou seja, o espaço nem tem nome ainda e já tem CNPJ pra entrar neste edital. Cria essa dependência. Os editais são muito legais, só que a gente não pode depender exclusivamente de nada. Nem mesmo de um patrocinador, porque daqui a pouco ele sai fora e acaba o projeto que ele apoiava. Aqui temos exemplos de espaços que não dependem desse dinheiro, que é um pouco engessado e que tem o seu tempo também.

Antônia [Vila Flores] – A gente está sempre se redescobrindo, se reorganizando, reconceituando. Eu acho muito legal essa ideia do Acervo de ter um manual de 60 páginas. Eles foram constituindo aquilo, porque fazia sentido para as pessoas que estavam ali naquele momento aquelas 60 páginas. Daqui a pouco tem que fazer tudo de novo. E isso é a questão da independência, da autonomia. No caso do Vila Flores, essa nossa configuração atual era uma das versões que pensávamos para o espaço. Havia a opção do parceiro-patrocinador que iria nos ajudar a reformar. Havia a opção dos editais. E havia a terceira opção, que era “abre as portas e ocupa aí, galera, que a gente vai gerir isso juntos”. No fim das contas, sempre que a gente falava dessas três versões, a gente via que a última era a mais legal. Menos grana, mas mais paixão.

Joana [Acervo Independente] – A gente fez o manual pra poder compartilhar. A gente tentou várias maneiras de fazer essa autonomia ser coletiva e horizontal, então os manuais surgiram pra isso, pra quando a pessoa entra no Acervo ela fica equilibrada com tudo o que aconteceu e com tudo o que está acontecendo. Por exemplo, se tu consegues um trabalho em função da representatividade da Casa –  alguém  procura um arquiteto através da nossa página do Facebook, por exemplo – é de direito da casa ficar com 20% do orçamento. São coisas que precisam estar no Manual pra não dar conflito. A gente decide junto o que está no manual. Já esteve escrito no manual, por exemplo, que a gente não ia ter nenhuma parceria. E hoje temos várias. Vai mudando.

Adriane [Casa Paralela] – Sobre a questão da independência e autonomia: pra mim é fundamental. Eu sou professora na universidade e o tempo inteiro eu esbarro em burocracias pesadas. A Casa Paralela poderia ser um projeto de extensão, de pesquisa – e nós fizemos essa opção de que esse projeto não fosse ligado à Universidade para retirar todas essas questões burocráticas do caminho. Ia ser muito pesado pra gente. E também pra mostrar para os alunos, para os que estavam com a gente, o quanto poderíamos criar um projeto independente, sem relação com a universidade, e que fosse autônomo e tivesse essa flexibilidade, essa possibilidade fazer escolhas, essa possibilidade de rapidez, sem toda a carga burocrática que tem uma instituição.