Porto Alegre, 6 de junho de 2014

Atelier Subterrânea

Projeto Potências de 10

Conversa entre Marcelo Moscheta, Rogério Livi, Silvia Livi

e outros interlocutores

 


 

Marcelo: A ideia desse projeto já tem um tempo, ela não é tão recente. Quando surgiu a possibilidade do Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, pelo qual o projeto foi contemplado, pensei: “Poxa, é isso”, e então pude bancar esta produção. A ideia é que este seja justamente um trabalho distribuído e que ele alcance o maior número possível de pessoas. Fiquem à vontade se, na saída, quiserem levar mais para os amigos, para a família, para os alunos, se quiserem voltar depois e pegar mais… O objetivo é que não sobre nenhum.

Eu confesso pra vocês que eu não sabia muito bem como chamar isso. Não encaro isso como uma exposição normal, tradicional, onde alguma coisa está sendo exibida. Eu acho que o mais importante da exposição é justamente essa conversa. Quando eu fiz a inscrição para o Prêmio, eu coloquei que a apresentação do projeto sempre teria a participação de um físico, ou de um biólogo, ou de algum cientista  que pudesse fazer essa conversa. A exposição em si é este material impresso, que é para ser levado.

O nome deste projeto, Potências de 10, é emprestado do filme Powers of Ten. O filme foi lançado em 1977 e é inspirado em um livro de outro cientista, Kees Boeke, de 1957. Depois, o filme também foi adaptado para livro, com o mesmo nome. Os autores do filme são Ray e Charles Eames, que são famosos por seu design refinado. Eles são arquitetos de Chicago que têm uma produção muito profícua em várias áreas. Pra vocês terem uma ideia, eles têm mais de 100 filmes curta-metragem. Eles investiram muito em projetos que criam essas ferramentas para uma melhor compreensão sobre o que é o espaço, o que é uma escala, o que é a geografia, como o homem se encaixa nessa geografia. Em 1998, o filme Powers of Ten foi escolhido para inclusão no United States National Film Registry como sendo cultural, histórica e esteticamente significante. Eu, particularmente – vocês vão ver porque – penso que este é o avô do Google Earth. Desde a primeira vez que eu assisti esse filme – não lembro quando foi exatamente, eu era criança ainda… – ele mexeu muito comigo. Quando eu o revi, há uns anos, realmente percebi que ele consegue pontuar historicamente esta ânsia do homem por conhecer os limites do universo. Tanto em relação ao macro quanto ao micro.

Penso que seria legal então a gente assistir o filme.

powers of ten

Esse foi o start. Quando eu comecei a pensar como eu faria esse projeto, em fotografia, eu fiquei imaginando: será que tudo varia de acordo com meu próprio repertório? Aquilo que está dentro de mim reverbera neste exterior? Eu fiquei imaginando o esforço desse casal para conseguir chegar neste resultado. Estamos falando de 1977. O trabalho de câmera, de zoom in, zoom out, a imaginação possível para conseguir chegar naquele limite, ao 10 elevado na 24ª potência… é incrível. Queria então fazer um contraponto com este desenho, que é um desenho de 1540, de Nicolau Copérnico. Agora você me corrige, Silvia, se eu falar besteira, mas foi publicado no livro De revolutionibus orbium coelestium.

Silvia: Exato.

Então, é nele que o Sol aparece no centro do Universo, e não mais a Terra. Aqui temos a órbita dos planetas e é aqui que Copérnico coloca o Sol no centro do Sistema Solar e desloca a Terra do centro onde ela tinha estado desde o sistema ptolomaico e de muitas outras cosmologias anteriores. Então essa possibilidade de romper com um sistema que está em voga é algo de uma capacidade imaginativa e criadora que realmente consiste em um passo de muita coragem.

Tudo isso me fez pensar sobre como a gente conhece aquilo que está ao nosso redor. Eu conheço o meu entorno só através daquilo que eu tenho como referência? Isso tudo começou a fazer parte da construção desse projeto porque, entrando na minha história, eu sempre convivi muito com este tipo de imagem.

celula

O meu pai era biólogo, da área da botânica. Eu cresci com desenhos de microscópios em casa. Cresci vendo o universo dessa forma ampliada, tendo uma familiaridade com esse tipo de imagem. São imagens que sempre fizeram parte do meu repertório. Outra coisa que também sempre fez parte do meu repertório foi a geografia. Sempre me interessei por mapas e procurei este tipo de relação, de olhar o Universo através de imagens mediadas.

mundo

Poucos humanos conseguiram subir tão alto para tirar essa foto. Chega a um ponto em que, para quem não tem familiaridade, a relação de uma imagem macro com uma imagem micro pode ser qualquer relação. A gente pode construir qualquer tipo de relação porque não se tem a escala, que é fundamental para a compreensão do espaço. Até que ponto existe essa possibilidade de uma imagem ser uma coisa e ser outra? O que me faz conseguir forçar uma realidade dentro de outra?

-Marcelo, gostaria de te fazer uma pergunta. No campo da arte, cada artista desenvolve uma poética. É uma construção narrativa, uma forma de ordenamento. Na ciência a gente também tem uma forma de ordenação, de procedimentos, de amostragens, que também são narrativas. A botânica tem uma, a geologia tem outra, e assim por diante. Ao mesmo tempo, é permitido à arte contemporânea – ou pelo menos a gente acha isso aceitável – se apropriar dessas narrativas, destes procedimentos. Quanto esse tipo de procedimento narrativo, pelo qual tu cresceste cercado, influencia o teu procedimento artístico pra outras linguagens?

São métodos que… Bom, eu gosto muito de coletar. Acho que isso vem da vivência com meu pai. Eu não tenho a pretensão de fazer algo super preciso, forçando a barra, mas eu acho que estes métodos vêm da aproximação com meu pai. São processos que se “pretendem científicos”.

 – Se não me engano, o pai do Hélio Oiticica também era biólogo. Isso sempre me impressionou.

Exato. Esse trabalho se chama Círculo polar ártico e a ideia é que o observador se coloque no centro deste círculo construído, deste espaço que foi separado para a pessoa observar o trabalho. Ela tem que entrar no meio dele.

circulopolar

 

São imagens como esta, que estão nas caixas de luz.

circulopolar2

Eu viajei para o Polo Norte só em 2011; este trabalho é de 2007. Nesta época, eu ainda sonhava com esta viagem e fiz então uma maquete no ateliê e uma fotografia macro para criar essa imitação do polo, como se estas fossem fotografias reais desta paisagem. Quando eu as monto em formato pequeno, eu também seguro este fator de entrega. Ao mesmo tempo, se eu amplio muito, ela fica mais reconhecível como maquete, em espaço falsificado. Como ela está naquele tamanho pequeno, ela conserva o ar de mistério.

A mesma coisa acontece neste outro trabalho, The Summit Series.

summit

Ele é apresentado em caixas pequenas 10 x 10 cm que exibem imagens de 20 picos de montanhas. São picos que eu gostaria de ter subido. Eu fiz as maquetes com pedras e elas são pequenas, menores que uma mão. É, novamente, esta fotografia forçada para construir uma realidade que engana o observador.

Aqui, nesse trabalho chamado P.M.a.G. | 62 [pólo magnético anti-gravitacional | 62 pedras] também tem a questão do polo magnético antigravitacional.  São fotografias de rochas que estão levitando como se estivessem em um planeta com força  gravitacional bem menor do que na Terra.  Elas são apresentadas neste círculo de mais ou menos de 2 metros de diâmetro que fica suspenso no escuro.

pmag

Outro trabalho de 2007 é este, Le Nouveau Paysage Du Parallèle 48.

paralelo48

Durante a viagem pela costa da Bretanha com a Bolsa Iberê Camargo, eu comprava estes cartões postais e,  depois de perceber que aquele litoral é muito marcado pelas falésias e o mar é tão presente naquela história, naquela paisagem, naquele território, o trabalho consistiu em alinhar lugares diferentes, cartões de lugares diferentes, sempre pela linha do horizonte. As bordas deles não batem, mas as imagens conversam e eu crio uma terceira realidade. Eu chamo então este trabalho todo de A Nova Paisagem Do Paralelo 48, que foi a região onde eu me propus a fazer o trabalho, o norte da Bretanha. É uma série de 12 cartões postais que eu aquarelo só o mar. Estes são aqueles cartões antigos, um papel mais poroso, parece uma cartolina. Tem a ver com essa percepção do lugar, da paisagem. Por exemplo, quando você viaja e traz memórias destes lugares,  você fala: “Aquele lugar é assim” e outra pessoa que também foi para aquele lugar pode dizer: “Não é não, é de outro jeito”. Algumas vezes, não conseguimos bater as impressões porque essas experiências dos lugares, essas experiências das paisagens são muito subjetivas.  Para mim, é muito interessante como a gente constrói toda uma história em cima daquele lugar, como a gente constrói o espaço.

Uma coisa que eu acho interessante então é a seguinte: o que me diz que esta imagem é de uma montanha na Antártida e não de um detalhe da parede da casa da avó Maria?

vómaria

Porque, na verdade, é a parede da casa da avó Maria. Eu só inclui uma leitura cartográfica em cima da imagem, uma escala alterada, que faz então com que o olhar seja direcionado para estas realidades construídas através da nossa memória e da nossa experiência. Esta é uma série chamada Satellite Series, onde eu fotografo pequenas coisas no meu dia a dia. Esta aqui, por exemplo, chamo de Canyon, por isso até o título te sugestiona a pensar a que se refere esta imagem.

canyon

O observador é forçado nesta perspectiva. Este é um trabalho que tem uma ligação direta com Potências de 10, porque este projeto é uma derivação desta série, Satellite Series, que é um pouco anterior.

Silvia: Essa foto anterior, Marcelo, é pigmentada. Tu pigmentaste a cor?

Não, na verdade é só uma impressão a jato de tinta.

Silvia: Quer dizer, tu mandaste imprimir e a única coisa que fizeste foi colocara grade que leva a pessoa a interpretar aquilo de outra forma.

Exato. A imagem não está manipulada – pensando a manipulação como um filtro e não como uma lente de aumento, claro. Entretanto, ela não necessariamente é uma fotografia com uma lupa; às vezes é uma fotografia com uma lente muito mais aberta, uma grande angular. Quando eu retiro a referência da escala, eu consigo praticamente forçar essa imagem a ser qualquer outra coisa. Qualquer outro elemento pode ser reconhecível ali. Um caminho de lesma pode virar um rio na Amazônia.

– Um trabalho teu que eu vi mais de perto foi o do Rumos  com as caixas de bombom, que mexia com a percepção das pessoas que estavam no entorno. De perto, resultava nestes microcosmos como nestas imagens que tu estás mostrando. E as pessoas ficavam em dúvida se o algodão era tingido de tons diferentes. É essa sensação que tu colocas aqui também. De longe parecia outra coisa e, por isso, havia um deslocamento das pessoas. Elas se mexiam, mexiam com o corpo, se deitavam pra ver aquilo, e isso pra mim era o forte. Isso me marcou bastante.

rumos1

Não sei se você lembra, mas neste trabalho eu acabei usando aquele código impresso de validade das caixas de bombom. Era um código mesmo, mal dava pra reconhecer a data. Eu pensei em, a principio, apagar aquilo, mas depois achei tão bacana que mantive as caixas daquele jeito e criou então outro espaço. Elas apareciam então com esse dado objetivo em cima de uma experiência mais subjetiva. Esse lado objetivo sempre valida a imagem, sempre vem com a força de dizer “isso aqui é real”.

rumos2

Aqui tem outros trabalhos, como este que eu chamo de Paralaxe, que tem um pouco da mesma abordagem. São fotografias da praia do Cassino.

marte2

marte

Alguém falou que para ser a praia do Cassino precisava das marcas de pneus de carros. Se olhar bem, ali estão elas, mas você precisa de uma dica para entender. Aqui é como uma sonda, chegando em Marte e captando estas fotos da aterrissagem.

Silvia: Quando eu era menina, a única maneira de ir do Cassino a Montevidéu era pela praia. Não tinha estrada. Aí, quando a maré subia, os carros atolavam… era uma aventura!

Então, um dia, trabalhando em uma imagem, eu dei um comando errado no Photoshop…

– Control i.                        

(risos) Isso, control i.  E, de repente, a imagem em que eu estava trabalhando, que parecia muito uma fotografia de satélite feita a 10 mil metros de altitude – quando na verdade era uma parede de um mosteiro na Espanha – com o comando errado, aquela imagem me pareceu uma fotografia da tese do meu pai.

controli

Como era possível essa passagem do macro para o micro ser feita de forma tão rápida, com um simples comando errado? A minha percepção foi confundida a ponto de eu não conseguir mais me livrar dessa ideia de que a imagem era microscópica. Aquilo ficou impregnado em mim de tal maneira que eu pensei: “Acho que preciso fazer alguma coisa com isso”. E este foi o processo. Fiquei um tempo pesquisando sobre como apresentar esse conjunto de imagens invertidas e foi então que eu lembrei do filme.  Pensei “Tá aí. Vou fazer uma conversa com esse filme”.

O formato que eu queria era justamente esse, queria contar essa história  no sentido de que a pessoa que pega a publicação olha as imagens e fica “…que raio de coisa é essa?”. Quase não há pistas.  Não quero colocar ou explicar o que são estas imagens porque eu penso que isso quebra um pouco o encanto. O bacana é esse jogo de a pessoa tentar encontrar algum indício dentro daquela imagem que a faça, por exemplo, pensar o que é realmente essa imagem. É algo microscópico? Uma gota de sangue? Uma nebulosa que está a anos luz de nós? O que eu quero com esse projeto é colocar o observador neste lugar de desconforto, da dúvida, de pensar “ O que é isso que eu estou vendo?”.

No fundo, é uma ideia de se questionar sobre o que a gente vê. Como que a gente vê, como que a gente olha para o universo, como a gente estabelece essas relações. E o resto é design. É uma escala inspirada no projeto gráfico do Powers of Ten – aquele quadrado no meio que vai se multiplicando e entrando no outro quadrado. Há estas escalas falsas que eu coloco embaixo e que dizem, por exemplo, 1 micrômetro, ou 10 quilômetros, e que vão te enganar e te forçar pensar sobre aquele dado objetivo. Na verdade, o que acontece é que a gente se prende na nossa própria experiência e naquilo que a gente conhece do mundo.

Bom, acho que é um pouco isso. E agora queria abrir para Silvia e Rogério, principalmente, tecerem seus comentários e enriquecerem essa conversa.

Silvia: Gostaria que tu colocasses, de novo, a imagem do desenho do Copérnico.

copérnico

Silvia: Como são as órbitas?

Circulares

Silvia: Exato. E agora a capa do livro Powers of Ten.

capadolivro

Silvia: O que está mais correto, Copérnico ou capa do livro?

– A capa do livro.

Silvia: A capa do livro. Por quê? Porque as órbitas são elípticas. Pois bem, gente. Isto está errado. E se vocês aprenderam as leis de Kepler, vocês ouviram que o Sol está no foco. Onde está o foco da elipse ali? O Copérnico estava mais certo do este desenho da capa do livro, porque as órbitas são praticamente circulares. A única órbita que não é circular é Mercúrio, na qual realmente a elipse domina. Claro, a órbita da Terra tem alguma uma elipticidade, mas está muito mais para o Copérnico do que para esta outra representação.

– Mas este pouco de elipticidade da Terra já é o suficiente para fazer um estrago, algo incrível.

Silvia: É, mas tem gente que interpreta este dado e diz que, por exemplo, Terra está mais perto do Sol no verão.  Nada disso existe, é tudo efeito da inclinação. A elipse tem um efeito mínimo. O grande efeito vem da inclinação da Terra. E temos então um problema que é o seguinte: tu naturalmente olhas teu objeto de interesse de forma perpendicular. Neste caso da capa do livro, o sistema solar não foi representado perpendicularmente. O sistema solar não foi escolhido para ser aquilo que a gente vê perpendicular a nós, neste filme. O que foi escolhido para ser perpendicular a nós?

– A galáxia.

Silvia: Exatamente. A galáxia foi escolhida para ser perpendicular. Por isso é dito no início do filme “Estamos em Chicago…”. E por que isso? Porque o plano de Chicago está mais ou menos alinhado com o plano da nossa Galáxia. Então se aquele camarada pudesse olhar a galáxia, ela estaria no plano, no horizonte. E outra coisa interessante é que, no filme, há um momento em que a gente vê a Terra e é possível identificar um ciclone. Depois, quando vemos o que seria nossa Galáxia, percebemos que ela é muito parecida com o próprio ciclone. Então tem mais esse jogo de uma coisa que parece outra, em outra escala.

Rogério:  Além disso, dá pra ver que a órbita da Lua está dentro da faixa em que a Terra se aproxima e se afasta do Sol. Essa faixa é mais larga que o diâmetro da órbita. Isso é interessante. Na realidade, se vocês olharem o movimento da Lua ao redor do Sol, é possível ver que ela não faz círculos. Ela simplesmente se afasta e se aproxima do Sol, só que às vezes ela vai mais longe do Sol do que está Terra, e às vezes mais perto do Sol do que está a Terra. Aparentemente ela está girando ao redor da Terra. No sistema de referência centrado na Terra ela está circulando, mas em relação ao Sol não, ela só está oscilando. Só aproxima e afasta. Esta órbita nunca chega a ser côncava, é sempre convexa.

 – Marcelo, aqui na publicação tem escala 10 na 14, 10 na -8. Nossa visão do dia a dia é 10 na -2, 10 na -3 no máximo. O que tu usaste como referência para construir este 10 na 8, 10 na -6? Isso não é visão nossa.

Pois é, usei a imaginação, simplesmente. “Isso poderia ser isso” – foi mais ou menos assim. Foi um pouco inspirado pelo filme. Como se parece um elétron? O que é uma célula? O que seria um corte de 10 micrômetros? O que poderia ser isso? Como artista, quero ter esta liberdade de imaginar e forçar uma realidade dentro da outra. Sei que neste ensaio fotográfico tem algumas imagens que enganam muito, mas tem outras que ficam mais toscas. E eu as quero toscas assim, quero este equilíbrio. Tanto é que não existe uma aproximação gradual. Uma imagem não necessariamente puxa a outra. Elas têm essa quebra que traz o elemento de incômodo. Eu prezo por um trabalho bem executado, bem polido, mas, às vezes, se você faz tudo muito perfeito, não dá o efeito que ocasionalmente  se busca. Há muito dessa liberdade que tomei para criar.

O que eu gosto muito que ele fala no filme, naquele momento em que ele está na maior distância da Terra, é que a beleza do nosso futuro é justamente a exceção, é o vazio, é aquilo que ninguém sabe o que tem ali. O universo é cheio disso. Depois, quando ele termina e tem aqueles elétrons e prótons distanciados, ali também há o vazio. Aquilo é um reflexo do macro, deste vazio que existe, dessa beleza e desse mistério que existem dentro de nós. Eu acho isso muito legal.

– Tu usas microscópios do teu pai?

Não. Eu tenho algumas brincadeiras, mas nada tão legal para ser mostrado.

Rogério: A forma como eu mais usei o livro Powers of Ten nas aulas foi justamente para mostrar o quão vazio é o Universo. Incrivelmente vazio. Essa dimensão maior que ele colocou, o 10 na 24, é uma dimensão onde – e ele diz ali claramente – as galáxias parecem grãos de poeira. Hoje em dia se sabe um pouco mais sobre isso em relação ao que se sabia naquela época, mas realmente o vazio é incrível. O vazio que existe dentro da matéria. A força gravitacional, por exemplo, é fraca, mas tem um grande alcance. Andrômeda está interagindo com a nossa galáxia gravitacionalmente, ela está se aproximando e vai colidir com a nossa galáxia algum dia.

(risos)

Silvia: É um fenômeno sobre o qual todo mundo fala. Andei lendo que essa aproximação entre Andrômeda e a nossa galáxia vai começar a ocorrer até antes do que se pensa, mais ou menos 5 bilhões de anos pra frente, quando o Sol começar a mudar significativamente. Sua quantidade de combustível vai mudar o suficiente pra ele ter que reagir e alterar sua evolução. Durante estas transformações, vai começar a haver um fenômeno muito curioso, que é o seguinte: a galáxia de Andrômeda, que é muito pequena, vai começar a aparecer mais e mais no nosso céu, e de repente o céu vai ficar muito claro. E aí ninguém sabe mais nada. É muita estrela, gases, e quando essas galáxias se aproximarem…

Rogério: Mas como é tudo muito vazio, elas praticamente vão atravessar uma à outra e vão formar uma outra coisa.

Silvia: Vai virar uma outra galáxia, porque o vazio está entre as estrelas, mas este monte de gases que está ali vai interagir.

Rogério: Existem fotografias de galáxias que já colidiram e fotografias de diversas fases destas colisões. Não é uma grande interação, é algo que demora. Aqui não se falou do tempo em que as coisas ocorrem: no macrocosmos, os tempos são enormes – milhões, bilhões de anos. Já no microcosmos é ao contrário, vamos para a dimensão do microssegundo, nanosegundo, picosegundo… Quando ocorrem coisas no átomo que resultam na emissão de luz, por exemplo, estamos falando de um tempo de 10 na -14, por exemplo. O tempo é outra dimensão que entra nessa reflexão.

Silvia: Eles esqueceram do tempo neste filme, claro, até porque tinham que esquecer. Nem saberíamos como fazer isso, como representar isso. Em Powers of Ten eles estagnaram uma imagem. Na capa do livro estão desenhadas as órbitas, que não existem, são apenas concepções.

– E tudo vem da nossa visão, porque se é outro bicho vai ver outra coisa totalmente diferente.

Silvia: Claro, isso é outro ponto. Além disso, isso tudo é feito com base na luz visível e há outras coisas não visíveis que não são reveladas. Hoje se diz que não sabemos o que é 80% do universo, em termos de matéria e energia.

Rogério: Chamam de Matéria Escura.

– Que nem a gravidade, que ninguém sabe o que é, mas sabemos que existe.

Rogério: Mas se sabe o efeito que a gravidade tem. Mas vamos acabar com essa história de órbita elíptica – vamos pensar o seguinte também: ao mesmo tempo em que a Terra aparentemente está andando ao redor do Sol, o Sol também está se deslocando em uma velocidade tremenda! Então, a trajetória da Terra é uma hélice no espaço e nunca fecha. É uma hélice. Depois, se somarmos o movimento do próprio Sol dentro da galáxia e depois o movimento da Galáxia, fica um coisa…

Silvia: Bom, mesmo assim, é um filme fantasticamente bom, feito com um capricho imenso e eu até fico admirada, pois nós não temos muitas descobertas a acrescentar de lá pra lá. Uma coisa que outra foi mudada – e foram mudanças plenamente determinadas pelo homem, ou melhor, pela União Astronômica Internacional, como é o caso de Plutão, que teve sua órbita retirada em um consenso pela União. Mas, no mais, não há muito o que se acrescentar no filme.

– Marcelo, tu falaste que Powers of Ten era o pai do Google Earth. Quem seria o pai?

(risos) Bom… talvez as fotos de satélites. Não sei, eu me lembro a primeira vez que um amigo meu me falou: “Entra no Google e digita o endereço”, e eu não acreditei no que eu vi. Pensei que  não era possível. Eu conhecia mapa, atlas. Depois, não usei mais. Esse zoom in, zoom out que é possível fazer nestas ferramentas… Você pode dizer, sei lá, “deixa eu ver um endereço na China”!. Você usa o mouse e a Terra faz aquele movimento de aproximação. Você pode virar o planeta Terra, enfim. Essas possibilidades de olhar o mundo através destes devices que não são olhos humanos são muito malucas.

Rogério: Em muitos destes dispositivos é interessante que tu consegues ver os diferentes tempos. É possível ver em que ano é aquilo. Tu podes voltar pra trás e ver fotos de tempos anteriores. Só não dá pra ir pro futuro ainda. (risos)

– Rogério e Silvia, queria perguntar para vocês sobre as possíveis modificações do eixo e da rotação da Terra provocadas por este último tsunami que ocorreu. Isso, se é que aconteceu, mudaria alguma coisa?

Silvia: Essa é uma das coisas que eu acho mais fantásticas sobre a astronomia. Sempre gostei muito da parte da história da astronomia, como tu descobres as coisas. Há muito tempo que, por exemplo, os eclipses do Sol e da Lua são registrados. Mesopotâmia, China antiga… Tem até aquela história dos chineses que não foram capazes de prever um eclipse e foram mortos pelo Imperador. Nesses registros que estão na Mesopotâmia e que foram resgatados, é possível contar os eclipses. A partir destas marcações, se tu fazes a conta e “vai pra trás” no tempo, não dá certo. Não fecha. E Halley, do famoso cometa, já tinha visto que não dava certo. A interpretação que se deu já naquela época do Halley é que a Terra estava andando cada vez mais devagar. Então, a cada fim de ano a própria União Astronômica Internacional define uma pequena correção de microssegundo no tempo que dura um dia. E isso depende também de outros fenômenos, quando há um deslocamento muito grande, um degelo, enfim. Assim, o tempo que dura um dia mudou bastante.

– Mas isso não se percebe?

Silvia: Não, não. Mas, para fins de registrar uma imagem da Terra, por exemplo, esses sistemas todos necessitam de uma precisão imensa. Por isso, nesse sentido, o tempo e a posição são muito importantes.

Rogério: Estes relógios são tão precisos que têm efeito relativístico, da relatividade de Einstein, que aparecem no satélite. Quando um relógio tem uma precisão de 10 na -9 segundos, 10 na -11, esses efeitos aparecem. Claro que estas consequências só aparecem mesmo, claramente, perto da velocidade luz, mas longe dessa velocidade já começam a aparecer efeitos muito pequeninos que esses relógios muito precisos podem detectar.