No dia 2 de agosto, a Subterrânea recebeu a sessão Cinedrome Experimental, realizada pelo cineclube dos alunos do Curso de Realização Audiovisual da Unisinos. Foram exibidos 5 curta-metragens, entre eles o filme Corda (2014, 7’15”), do artista mineiro Pablo Lobato. Na entrevista abaixo, Pablo fala sobre o processo de gravação do filme realizado durante a procissão do Círio de Nazaré, em Belém, e comenta aspectos da circulação e produção dos campos do cinema e das artes visuais.

Quando tu percebeste a potencialidade artística da manifestação do Círio de Nazaré? Já havias presenciado a procissão anteriormente?

Em algum momento da infância, eu tive contato com fotografias do Círio. Lembro-me dos milhares de romeiros segurando a corda, formando um só corpo, como uma serpente pelas ruas de Belém. Mas a primeira vez que presenciei a procissão foi enquanto gravava as imagens do Corda.

Fui um dos artistas convidados do Arte Pará 2013 e, ao entender que a festa aconteceria na mesma data do Salão, quis saber mais a respeito. Encontrei, assim, um texto anunciando a campanha pelo “Não Corte da Corda”. A vontade de realizar algo partiu daí.

 

Como foi o processo de captação das imagens e de realização, em meio a uma situação tão intensa?

O que eu sabia, por ter lido sobre a tal campanha, era que em desalinho com as regras da festa, para garantir suas relíquias, alguns promesseiros cortavam a corda em meio ao ritual. As pessoas com quem tive oportunidade de conversar em Belém não davam notícia de como acontecia e nunca tinham presenciado um corte.

Sem muita esperança, fui pra rua com a minha câmera. Estava com outros dois artistas, Federico Herrero, da Costa Rica, também convidado pelo Arte Pará, e o Eder Oliveira, de Belém. No caminho, encontramos o Paulo Roberto, da equipe do Salão, que nos sugeriu uma esquina pra ver a festa. Chegamos antes dos romeiros e nos encostamos em uma mangueira, por sugestão do Paulo, pra não sermos levados pelo mar de gente que se formava. Ainda com a câmera pendurada no pescoço, um movimento me chamou a atenção: um grupo de homens se deslocou da massa, em giros, num refluxo que lembrava água de rio em curva de barranco. Tentei gravar aquilo sem muito êxito, até que tudo se dissipou e um homem ao meu lado reclamou dizendo que tinham cortado a corda. Fiquei surpreso e desapontado por ter perdido a oportunidade de gravar o momento. Continuamos ali, encostados na mangueira, até que outro corte aconteceu, bem na nossa frente. Dessa vez eu me joguei tentando encontrar um lugar pra câmera e fui levado por alguns metros pelos corpos. Consegui me aproximar e ficar um tempo no meio desta luta pela relíquia, até o grupo responsável pela organização da festa emendar a corda e realinhar o fluxo da procissão.

Com esforço, voltei para nossa mangueira. Enquanto o Eder Oliveira comentava nunca ter visto um corte assim tão de perto, houve outro corte, e depois outro. Num período de mais ou menos 1 hora, aconteceram 4 cortes bem em frente à mangueira que nos ancorava.

 

E como se deu a concepção e o trabalho da trilha sonora de “Corda”, que também é muito potente dentro desta narrativa?

Convidei o Anderson Guerra, amigo, compositor e guitarrista que vive em Belo Horizonte, pra trabalharmos juntos. O Anderson colaborou nos meus últimos filmes e tem um incrível studio analógico em casa. A partir de uma primeira montagem das imagens, começamos a gravar sons de diferentes objetos. Escolhemos uma “família” de timbres pra trabalhar, produzida a partir de um piano desmontado, sem os martelos. Visualizamos 4 diferentes momentos: pés alinhados, troncos alinhados, corte e movimentos desalinhados. Trabalhamos alguns dias compondo cada clima com os timbres gravados até sentirmos falta de um pulso. Foi quando surgiu a ideia de regravar tudo, tocando a partitura que havíamos editado, sem pausa. O Anderson precisava operar e eu toquei. Não sou músico, mas o trabalho na ilha foi como escrever a partitura. Isso me deixou com uma boa noção dos materiais, variações de força, velocidade e duração durante a execução. Toquei assistindo ao vídeo, usando os teclados e uma placa de vidro sobre as cordas do piano. Quando escutamos com a imagem, estava tudo ali, no lugar.

 

“Corda” foi adquirido pelo Museu de Arte Contemporânea de Barcelona e, só entre 2012/2013, tu tiveste trabalhos em exposições/bienais de países como Alemanha, França, Emirados Árabes, China, Argentina, Bolívia, Noruega, além de diversas exposições nacionais. Como tu vês a circulação de obras audiovisuais no sistema das artes contemporâneo?
Apesar de uma flagrante resistência entre as diferentes economias, vejo novos espaços e agentes sensíveis às questões que o audiovisual exige.

 

De que forma tu entendes o diálogo entre os campos do Cinema e Artes Visuais, já tu transitaste (e transitas) por ambos?
São campos ainda bastante regidos por suas respectivas economias. Vejo o cinema servindo muito às questões da comunicação. As artes visuais estão mais livres nesse sentido. Considero saudável uma certa impureza, uma mistura entre meios, espaços e pessoas. Isso não garante o bom encontro, mas já põe em movimento as fragilidades, as distâncias, e diminui o medo pela falta de controle.

 

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