Saindo da tríplice fronteira (BR/PY/ARG) carregados de muamba e percorrendo o interior do RS, os artistas fizeram o caminho das mercadorias Made in China. O primeiro resultado dessa pesquisa é a mostra O VALOR DAS COISAS, híbrido de exposição e bazar. Registros gráficos, produtos associados ao cotidiano, além de objetos descartáveis da cultura de massas são realocados no espaço da galeria e esvaziados de sua utilidade original, ganhando um novo status e ampliando a reflexão sobre os sintomas desta faceta do sistema econômico e suas dinâmicas de circulação, descarte e reprodutibilidade. Em outros momentos, as instalações buscam, no passado, evidências dos antigos caixeiros, contrastando as bugigangas com objetos reais cheios de histórias e memórias.

 

 

Isabel – Como surgiu a ideia de trabalhar com a figura do caixeiro viajante?

Daniel – O meu avô era caixeiro. Ele ficou famoso na família porque ele vendia coisas muito… duvidosas. Relógios do Paraguai, coisas assim. Ele viajava e pagava as despesas vendendo coisas na estrada. A vontade de trabalhar com o caixeiro vem um pouco da extinção dessa figura. Era algo que tinha uma aura, um glamour, e hoje o equivalente está estigmatizado – é o muambeiro. Nós tínhamos muita vontade de entrar nesse mundo. Todo mundo que cresceu em Porto Alegre lembra dos camelôs e tem alguma história “cabeluda” em relação ao Paraguai. Eu acho que a vontade do projeto surgiu quando vimos o contraste que existe entre o presente e essa outra figura do passado.

Isabel –  Tu chegaste a conviver com o teu avô?

Daniel – Sim, muito. Ele contava histórias de quando era bem piá e veio do interior para Porto Alegre, onde vendia botões e coisas de alfaiate de porta em porta. E quando não pagavam, ele escrevia em vermelho “caloteiro” ao lado da porta, e o viajante seguinte já sabia que ali não era uma casa de confiança. O pai dele, meu bisavô – embora todos de uma cultura judaica – também vendia santos e imagens sacras no interior.

Isabel – E como foi a chegada ao Paraguai, as diferenças entre o que vocês imaginavam e que vocês experimentaram na prática?

Leonardo – Eu achei bem louco porque, quando o projeto começa, a gente já sabe que a figura do caixeiro está extinta, então a gente atualiza ela a partir da figura do muambeiro. Chegando no Paraguai, a gente vê que essa figura também está em extinção.

O Valor das coisas - Obra e foto Daniel Eizirik

Isabel – A figura do muambeiro?

Leonardo – É. Nós não encontramos muitas coisas exóticas; o cobertor é o produto que mais havia por lá, mas acredito que isso muda muito. Eu esperava coisas… mais exóticas mesmo, mais estranhas. O que vimos lá foram grandes shoppings, perfumes, roupas de marcas, luxos… Foi difícil encontrar essas miudezas. Tivemos que nos meter em galeriazinhas. Os produtos mais vendidos são eletrônicos, coisas de mais valor mesmo. Conhecemos algumas pessoas que fazem esse trajeto e realmente há um risco.

Denis – Por exemplo, enquanto o Daniel filmava o vídeo que está na entrada da exposição, nós ficamos conversando com sacoleiros que estavam prensando cobertores, meias, jeans. Então, uma senhora sacoleira de Rio Grande começou a nos colocar muito medo, dizendo que era perigoso atravessar a fronteira com qualquer coisa acima de 5 unidades e dava apreensão do veículo. Ela disse que tinha perdido 5 carros fazendo essa rota. Até esse momento a gente estava super tranquilo.

Isabel – Nem tinha passado pela cabeça de vocês algum perigo?

Denis – A gente estava tranquilo, até então. Era a primeira vez que a gente ia voltar com muita coisa para o lado brasileiro. Dessa vez, estávamos carregados mesmo. Nós tínhamos um contato de um taxista barra limpa com que nós voltaríamos, mas não encontramos o taxista, e começou a chover, já estava no fim do dia… desespero! Estávamos meio em pânico, pensando que não ia dar certo. Mas deu. Também não fomos parados pelos pica-paus.

Isabel – O que são os pica-paus?

Denis – É a Polícia Rodoviária do Paraná. É a polícia que apreende os carros, que às vezes quer ganhar dinheiro em cima disso… Ela é uma das responsáveis por esta rota de comércio ter acabado. Esse tipo de policiamento ficou mais forte depois de 2003.

Isabel – 2003 foi um marco?

Denis – Sim, inicia gestão Lula e muda a política de fronteira, que fica mais dura, mais rígida. E isso acaba com a figura do muambeiro, do camelô. Ela vai ser institucionalizada. Muito camelô vira estande em shopping barato. A rota sai do Paraguai e é transferida pra São Paulo e todas as capitais do Brasil. O ano de 2003 é uma ruptura.

Daniel – Além disso, um pouco anterior a 2003, a figura do caixeiro é estigmatizada com o surgimento na mídia do homem contrabandista, ou seja, há o bando e há aquele que é contra o bando – o bando que é o Estado.

Isabel – É uma construção social, na verdade.

Daniel – Totalmente. É um estigma que se constrói.

Isabel – E como foi o percurso dentro do Rio Grande do Sul?

Leonardo – Nós viemos juntos até a cidade de Frederico Westphalen e ali a gente se separou – eu e o Denis seguimos por um caminho e o Daniel e o João Kowacs foram por outra rota. Nós fomos mais pelo norte do Estado. Fizemos a região da soja, Passo Fundo, Getúlio Vargas. Vendemos algumas poucas coisas. Havia essa proposta de caixeiro artístico, então levamos nossas publicações, nossos materiais. Foi difícil, claro, as pessoas não estão acostumadas. Em Getúlio Vargas, coincidentemente, havia um casal de argentinos com uma Kombi que se abria com artesanatos.

Isabel – E vocês falaram com eles?

Leonardo – Sim, houve uma aproximação. Mas eles estavam vindo para o jogo do Brasil durante a Copa, na verdade.

Denis – Eu acho um pouco assustador essa substituição do caixeiro pelo sacoleiro. O caixeiro trazia bens que as pessoas precisavam – as mercadorias eram necessárias, úteis. O camelô tem outra coisa, esse ponto de distribuição de mercadoria descartável quase sem valor. Isso foi o que mais me marcou. Entender isso de forma clara. Percebi que o glamour está no passado porque os bens eram necessários. Hoje em dia, o sacoleiro distribui um monte de mercadoria descartável a baixo custo e não sei se isso é tão legal quanto era na mítica do vendedor ambulante.

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Isabel – E pra ti, Daniel, como foi encontrar esse cenário em relação à história do teu avô?

Daniel – Tem um pouco a ver com isso que o Denis falou. Eu e o João fomos mais para o noroeste do Estado – Santa Rosa, Porto Mauá, Porto Xavier, até Cachoeira do Sul. A sensação que dá é essa extinção do exótico. Chegando no Paraguai, não vimos nada que fosse incrível e desconhecido. E mesmo abrindo um estande no interior, imaginando que as pessoas vão ter mais curiosidade… não. Elas também têm pressa e não querem parar. Tem essa questão da bugiganga também. Quem é que vai trazer as vuvuzelas  que vão durar um mês de Copa? Ou as bandeirinha do Brasil que, quando perde de 7 a 1, vão todas para o lixo? Os sacoleiros. Uma situação que nos chamou muito a atenção nesta ida e que tem uma relação mais ampla com esse sentido do esvaziamento é a questão de uma barragem no Rio Uruguai para que seja construída uma hidrelétrica prevista para 2016 e que vai inundar exatamente essa região do noroeste. Ver uma pessoa que vai perder a sua casa, te explicando que vai ter que sair dali, ou ver outra que está “ok” com aquilo porque ganhou um dinheiro e vai deixar sua casa, sua memória ali… isso tudo pareceu ter um eco muito curioso com esse esvaziamento de sentido. Existe uma série de barragens desativadas no Rio Grande do Sul e parece haver mais incentivo para que se siga construindo do que se siga aproveitando. E isso que a gente vê aqui na Subterrânea são coisas com obsolescência programada, pra durar pouco e manter a indústria girando. Nós também tínhamos a ideia de trabalhar com esse personagem ficcional do caixeiro, mas, na minha visão, esse personagem é meio um Quixote – um personagem que acha que vai encontrar seus antepassados indo pro Paraguai e não, já é outra coisa, o Paraguai já mudou.

Denis – E andando na zona de camelôs de Porto Alegre, que se institucionalizou e formalizou, eu e o Adrián nos perguntávamos como eles conseguem fazer tudo tão barato. Ao mesmo tempo, essa institucionalização gera muito emprego. É impressionante como o descartável gera emprego.

Daniel – É  a mesma desculpa da hidrelétrica, que vai gerar emprego, vai gerar indústria.

Denis – Mas é impressionante. Muita gente. Muito emprego.

Leonardo – É quase um subemprego. É uma situação em que a máfia chinesa, sim, está ganhando muito dinheiro, mas as pessoas que estão ali trabalhando, fazem aquilo para comer. No centro de Porto Alegre, vi que o camelódromo é uma reprodução das galerias do Paraguai. É exatamente aquilo ali, a mesma organização. O Paraguai também tem um contraste grande entre o shopping paraguaio, este de galeriazinhas, e o outro que é chique, escada rolante, marcas de luxo, perfumes… É um grande contraste.

Daniel – Na viagem, a gente reparou muito em como a estampa paraguaia – nos cobertores, nas sacolas, nos 3Ds, no objetos – tem imagens de bichos, de uma natureza aparentemente intocada, mas uma natureza ameaçada pela própria existência desses objetos. Além disso, o nome da hidrelétrica que vai inundar essa região do estado é Garabi-Panambi, um nome guarani bonito… então é uma situação quase tragicômica. O mesmo com os adesivos de morango que não têm gosto nenhum, ou com o coqueiro que está aqui na exposição que é feito de algo que agride diretamente os próprios coqueiros.

Leonardo – Pois é, é engraçado como esse é um tema muito reproduzido  – cachoeiras, água, passarinhos.

Adrián – A natureza é um marco estético que engloba o mundo em geral. O que está na natureza não obedece a uma estética cultural.

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Isabel – E como foi trazer isso tudo pra o espaço expositivo?

Leonardo – A gente tinha imaginado usar fotografias e vídeos. Mas, no final, me pareceu, falando da fotografia, que muitas são imaginárias do Paraguai. Eu senti essa vontade de trabalhar com materiais que a gente comprou. Foi muito rico o processo aqui. Eu estava olhando o caderninho em que anotamos nossas ideias iniciais e nenhuma delas permaneceu. Pelo menos não do modo como estavam. Isso é muito bom porque teve um processo mesmo.

Isabel – E Adrián, queria te perguntar como foi o teu olhar para estas coisas tão diversas que estavam aqui, já que tu integraste o grupo após a viagem.

Adrián – Sempre tive, também, uma inquietude por estes materiais. Sempre me pareceram um pouco absurdos. O espaço também estava entre atelier e galeria, que foi o que mais gostei de experimentar, pois sempre que exponho eu tenho muito separadas essas duas coisas – espaço de trabalho e espaço expositivo. E aqui havia um dinamismo. Pareceu-me muito interessante a manipulação de materiais. Às vezes o mínimo esforço era o suficiente e isso também foi interessante – como é possível chegar a essa destruição do elemento, ou simplesmente com a disposição do espaço pode gerar um trabalho.

Isabel – A própria “Onça Presa” é curiosa, apenas o cobertor e o cadeado já formam um trabalho.

Adrián – Ali há a imagem e o objeto. Os cobertores têm estas imagens de animais que também são recorrentes em diversos tipos de elementos. Animais, paisagens, frutas… São coisas que se apresentam como de um gosto generalizado.

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Denis – Pra mim foi muito legal colocar todos os materiais aqui na Subterrânea. Não havia quase nenhum material que te permitisse trabalhar de uma maneira bidimensional. Tudo era um convite a um trabalho tridimensional – trabalhar com instalação, trabalhar com algum tipo de escultura… Mesmo os desenhos são tridimensionais. Isso achei muito desafiador – poder ter um espaço e poder ficar experimentando. Uma coisa que eu acho super assustadora é que um material bom de desenho pode ser 50 vezes mais caro do que qualquer objeto desta parede. Comecei a me questionar realmente sobre o valor das coisas. Penso que o diferente daqui é que tivemos esta experiência, esse laboratório mais do que vivência, e esses objetos viraram outras coisas. Se formos pensar o valor de cada material que a gente usou… Uma Posca é mais cara que essa instalação inteira.

Leonardo – Mas também, falando sobre o valor das coisas, eu penso para além do valor em dinheiro da caneta Posca, porque realmente em arte uma caneta pode custar 30 reais, mas pode ser usada pra fazer um quadro que vale quanto? É bem relativo mesmo. A matéria é cara, mas quanto custa uma obra? Tintas caríssimas podem acarretar em outro valor.

Isabel – E como vocês enxergam essa exposição com 4 artistas e cada um trabalhando em uma coisa, mas ao mesmo tempo todos dentro deste espaço amplo. Vocês enxergam as coisas individualmente ou como um conjunto?

Daniel – A sensação que eu tenho, entrando na galeria hoje, é que existem pequenos universos que, quando colocados lado a  lado, criam um terceiro universo. Então me parece que, realmente, não é uma instalação, não é um todo que é  apenas uma instalação, mas existe algo ali – um desenho do Denis que você pode ver como um trabalho só, mas, no momento em que você dá um passo atrás, vê que ele está junto com uma série de coisas.

Leonardo – Eu vejo justamente estes dois sentidos, o sentido de cada coisa, mas também o sentido das coisas juntas, que criam um novo sentido.

Adrián – Há materiais que não estão transgredidos pelo uso, não estão usados. Há outros que são únicos e que tiveram uma implicação. Porém, há um estado também de interrogação, porque são objetos que podem ser utilizados para qualquer uso. As obras do Leonardo mostram isso, um elemento que serve para carregar e que pode ser destruído, aberto e transformado em outra coisa. A obra com os elásticos também, abre um espaço gráfico. Então penso que somente com a ordem dos objetos já possível interrogar uma utilidade.  Aqui há uma ordem que tu nunca vais encontrar em uma loja. Por que isso está do lado daquilo? Há muitas maneiras de se chegar ao valor das coisas. Creio que o valor não vem somente agregado pelo tempo, mas também pela utilidade, para o que isso serve.

Isabel – E como vocês enxergam essas temporalidades das obras, já que há objetos com carga de memória forte e alguns desprovidos de qualquer história?

Adrián – Isso também é um pouco absurdo, o modo das produções. Historicamente pensamos que os objetos antigos eram produzidos perto ou no próprio local, não havia essa globalização do mercado. Nos últimos tempos, as coisas quase todas são da China. Dessa forma, o que é anterior tem uma proximidade maior com o lugar, e as coisas mais novas são mais dispersas.

Denis – Também fico pensando nas coisas novas, sem memória que estão aqui. Talvez essa parede seja um retrato de 6 anos atrás de qualquer loja da China. Talvez sejam mercadorias já ultrapassadas e  que não são mais produzidas e estão só sendo distribuídas, porque lá estão vivendo outros produtos de descartabilidade. Eu fico pensando também no envelhecer dessas sacolas, por exemplo, porque logo vai existir um material melhor e mais barato para transportar produtos. Também penso que são materiais tão frágeis, tão descartáveis… Que valor isso vai ter daqui a 50 anos? Assim como esses objetos antigos que a gente acha, hoje em dia, que têm grande valor e que detêm uma memória de tempo. Será que estes que estão na galeria são tão esvaziados da memória do nosso tempo mesmo? Eu gosto de pensar nesse envelhecimento das coisas.

Adrián – Estava pensando que essas coisas não apenas evocam uma memória coletiva, mas também um imaginário. Por exemplo, esses santos que giram e mudam de cor, esses adesivos de frutas… tudo isso, ao mesmo tempo, me parece absurdo porque está produzido de acordo com um imaginário de gostos, de estéticas. Em geral, o que acontece é que há evocações de memória e de tempo, mas também há nisso imaginários que estão sempre correndo.

Daniel – Uma coisa que achei bem interessante e bastante inesperada é a evolução das coisas. A gente partiu com uma ideia do caixeiro e nos deparamos com outra. Tínhamos a ideia de uma exposição X e chagamos a uma Y. A sensação que me dá é de muita vida mesmo, de estar com os olhos muito abertos para incorporar coisas que a gente descobre no caminho.

Denis – Outra coisa legal é que  a maioria das coisas que estão aqui foram trabalhadas na própria parede.

Daniel – São daqui.

Denis – Exato.

Leonardo – Acho que isso traz justamente o que falamos no começo, sobre a descartabilidade. Alguém pode querer comprar essa parede, mas não sei como podemos entregar isso. Preguinhos, cordas e manual de instrução? Seria engraçado vender a rede também, uma sacola dobrada.

Adrián – Isso também é o valor da arte. Pra mim tem muito mais valor a peça assim modificada como uma rede do que como uma sacola. E eu penso que uma pessoa pode comprar isso, porque isso tem um valor, não tanto pela coisa material, mas pela linguagem que  transgrediu e pela outra coisa que surgiu a partir disso.

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Daniel – Já o vídeo seria uma “videoarte”, porque está numa galeria de arte. Mas está em uma TV da marca “Paconic”, que em algum momento foi a pior TV possível. E o vídeo ganhou muito estando dentro daquele objeto! Como o Denis falou, o vídeo é bidimensional, mas dentro daquela TV ele é outra coisa. Se trocar de televisão ele deixa de ser aquele trabalho.

Denis – É, virou um objeto. E outra coisa legal é que vai haver na exposição imagens dos quatro artistas.

Leonardo – Tem até imagens que o Adrian fotografou aqui nos camelôs de Porto Alegre. Há imagens da viagem mesmo, da placa do shopping, ou do rio Uruguai.

Denis – A foto do Leonardo da placa do shopping mostra algo do centro comercial incrível. Nela você vê a estrutura do shopping toda destruída, roubada, um backstage de um shopping decadente. O que é difícil de encontrar, porque no shopping as coisas sempre triunfam.

Leonardo – E o shopping gera toda uma decadência no entorno. Esses dias eu li que pra um shopping abrir, são 60 pequenos comércios que fecham. Há estatísticas assustadoras.

Daniel – É avassalador. E isso tem muito a ver com o que estamos falando sobre o caixeiro. É extinção. Assim como acabou a figura do caixeiro, acabou o cinema de calçada, por exemplo. E tantas outras coisas de calçada.

Leonardo – E esse fechamento tem um efeito muito negativo, porque parece que é tirar das pessoas o interesse pelas coisas. No interior também percebi as pessoas muito apressadas, muito atrasadas. Também houve essa fantasia pelo interior que também se quebrou.

Denis – Sabe de uma coisa que também me surpreendeu? A gente chegava em uma cidadezinha do interior, montava uma barraca e isso não causava nenhum estranhamento. Nada! Nem espanto. Como se aquilo fosse normal. A gente arrumava de modo meio absurdo – uma mala, materiais gráficos, produtos, e não havia aproximação. Então algumas pessoas nos diziam que a gente tinha que anunciar “Cobertor, 40 reais!!”, mas a gente achava que só o fato de ter aquela organização já ia gerar uma aproximação.

Leonardo – Mas também acho que valeu pelas poucas pessoas que perceberam e que se aproximaram. E foi muito positivo. A maioria passa com pressa, mas alguns poucos param.

Daniel – Em Santa Rosa, rolou um diálogo muito legal com uma das únicas pessoas que pararam. Esse cara gostou dos nossos livros e contou que ele tem um projeto de biblioteca móvel. Ele começou a  contar que queria retomar as ruas da cidade, que tudo estava virando shopping – e isso lá em Santa Rosa! Essa mesma conversa. E é sintomático. Os problemas que a gente vê em Porto Alegre são reproduções daquilo que a gente vê em São Paulo que, por sua vez, são reproduções de cidades maiores, enfim. E isso gera um efeito cascata para o interior. Trazer essa imagem do interior com um olhar crítico – e pra mim essa parede é um olhar crítico – é lutar contra esse enclausuramento e contra esse dique de contenção.

 

 

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